Conflito no Iémen agrava-se após ataque com drones. ONU "muito preocupada" com civis

por Graça Andrade Ramos - RTP
Um prédio em Sanaa ficou reduzido a escombros após um bombardeamento aéreo saudita a 18 de janeiro de 2022 Reuters

A porta-voz do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos denunciou os bombardeamentos sauditas ocorridos durante esta madrugada em Sanaa, no Iémen, em retaliação pelo ataque com drones realizado horas antes pelas forças xiitas Houthi contra o aeroporto de Abu Dabi nos EAU, que fez três mortos.

Os EAU exigiram já uma reunião urgente do Conselho de Segurança da ONU para debater o ataque Houthi, com as Nações Unidas a apelarem à proteção das populações civis iemenitas, depois da morte de vários cidadãos no ataque desta terça-feira.

Os bombardeamentos sauditas reduziram a escombros um prédio no bairro Ma’in e “mataram pelo menos cinco civis”, acusou Ravina Shamdasani numa conferência de imprensa em Genebra. “No meio desta escalada, apelamos a todas as partes para que garantam a proteção de civis e de propriedades civis, em cumprimento das obrigações ao abrigo da lei internacional”.
Informações preliminares referem que os cinco mortos em Sanaa pertenciam à mesma família e incluíram duas mulheres e uma criança. Duas outras mulheres e uma criança ficaram feridas. Os Houthi falam em 20 mortos.

Os dois ataques das últimas horas, Houthi e saudita, sublinham o agravar da guerra do Iémen nos primeiros dias do ano.

As forças governamentais iemenitas combatem a guerrilha xiita apoiada pelo Irão, ao lado das Brigadas Gigantes apoiadas pelos Emirados, e com ajuda de bombardeamentos aéreos da Força Aérea saudita.

Dia 10 de janeiro as Brigadas Gigantes anunciaram a captura aos Houthi de toda a província sul de Sbawa e o avanço sobre a vizinha província do Marib, no centro do Iémen, que centrou os combates em 2021.

O controlo de Sbawa é vital para manter as rotas terrestres de ligação ao último bastião governamental iemenita a norte, precisamente a capital de Marib e as instalações adjacentes petrolíferas e de gás. Marib conta três milhões de habitantes, incluindo um milhão de deslocados de outras partes do país desde 2014.

De acordo com os números recolhidos pelo gabinete de Direitos Humanos da ONU, a coligação liderada pela Arábia Saudita realizou 839 bombardeamentos aéreos só nos primeiros 18 dias de janeiro de 2022, comparados aos 1.074 para todo o último mês de dezembro.

Nesse mesmo mês, as guerrilhas Houthi, apoiadas pelo Irão, usaram drones em 16 ataques, dispararam 12 mísseis balísticos e três outros projéteis, contra território saudita. Em janeiro registaram-se 10 ataques com drones contra a Arábia Saudita.
EAU como alvo
Segunda-feira os Houthi reivindicaram um raro ataque contra a capital dos Emirados Árabes Unidos, os quais integram a coligação árabe formada para restaurar o governo sunita no Iémen.

O ataque matou um paquistanês e dois indianos, na explosão de três petroleiros perto da sede da petrolífera ADNOC e num incêndio numa obra perto do aeroporto de Abu Dabi. Seis pessoas ficaram feridas.

“De acordo com investigações preliminares foram detetados pequenos objetos voadores, possivelmente pertencentes a drones, que caíram em duas áreas e poderão ter causado a explosão e o incêndio”, referiu a polícia dos Emirados em comunicado.

Ao contrário das forças policiais, o conselheiro doGoverno dos EAU, Anwar Gargash, não hesitou em atribuir o ataque “odioso” às guerrilhas iemenitas. “As autoridades dos EAU estão a lidar com o odioso ataque Houthi a algumas instalações civis em Abu Dabi”, tweetou Gargash.

A coligação sunita afirmou ter destruído oito drones lançados contra o reino saudita, de acordo com a imprensa local.

Ataques com drones e mísseis são marca das guerrilhas iemenitas e um dos seus porta-vozes, Yahya Saree, revelou numa publicação da rede Twitter que se poderão seguir outras operações similares. “Nas próximas horas iremos anunciar uma importante operação militar nos EAU”, referiu.
Aviso do Irão
Analistas referem que o ataque expôs as fragilidades dos Emirados e poderá minar a imagem do país enquanto destino turístico e de negócios, apesar de Gargash afastar a hipótese.

"Este ataque torna claro aos Emirados que estão a jogar o jogo de um grande poder na região", alertou Andreas Krieg, professor na Escola de Estudos Securitários no King's College de Londres.

Fez este país do Golfo compreender que é "no final de contas um pequeno Estado muito vulnerável", acrescentou. "O incidente significa um grande estrago à reputação dos EAU, que sempre se venderam como um país seguro".

A Arábia Saudita tem sido o alvo preferencial dos Houthi, ao contrário dos Emirados Árabes Unidos, que retiraram as suas tropas do país em 2019, focando o seu apoio nas Brigadas Gigantes.

Os Emirados são mais distantes do Iémen e desde 2018 que não sofriam qualquer ataque por parte da guerrilha xiita iemenita.

Michael Horowitz, um observador geopolítico e de segurança na consultora Beck International, especialista no Médio Oriente, considera que o ataque de segunda-feira contra alvos em Abu Dabi "pode ter sido provocado pelos avanços recentes das milícias apoiadas pelos EUA no Iémen, mas estes não terão sido a única, ou sequer a principal, razão".

"O ataque contra Abu Dabi também foi um aviso sério do Irão aos EAU", afirmou, lembrando que os Estados Unidos têm pressionado os Emirados a aplicar de forma séria diversas sanções contra Teerão, enquanto prosseguem as reuniões internacionais sobre o programa nuclear iraniano.
Cargueiro capturado
Há duas semanas os Houthi capturaram um navio com bandeira dos Emirados ao largo da costa do Iémen que transportava equipamento militar, de acordo com imagens publicadas pelos xiitas.

Os Emirados desmentiram as alegações, referindo-se ao Rwabee como um “cargueiro civil” e criticando a captura do navio como uma “escalada perigosa” na rota do Mar Vermelho, uma das mais movimentadas do planeta.

Os Houthi rejeitaram o pedido das Nações Unidas para a libertação do cargueiro, referindo que “não transportava brinquedos infantis mas armas para extremistas”.

Os Emirados integram desde o início de 2015 a coligação liderada pela Arábia Saudita que procura impedir os Houthi de assumir o poder no Iémen, após o golpe militar de 2014 que deu aos guerrilheiros o controlo da capital Sanaa e expulsou para sul o governo sunita local que gozava do apoio de Riade.

A guerra já fez centenas de milhares de mortos e mergulhou o país no caos, com a fome a ameaçar de morte as populações.
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