Covid-19. As possíveis razões para a escalada de casos em Espanha

por Joana Raposo Santos - RTP
Espanha tem mais de 73 mil pessoas infetadas, das quais 12 mil já recuperaram, e seis mil vítimas mortais. Foto: Susana Vera - Reuters

Espanha é, neste momento, o quarto país mais afetado a nível de contágios e o segundo com mais mortes registadas por Covid-19. Os especialistas continuam a debruçar-se sobre as razões que levaram a esta rápida escalada dos números, acreditando que a principal é a elevada mobilidade dos espanhóis. Um dos momentos-chave para a propagação da doença nesse país poderá, aliás, ter sido um jogo de futebol entre Valencia e Atalanta que decorreu fora das fronteiras do país vizinho.

A 19 de fevereiro, cerca de três mil fãs do Valencia Club de Fútbol viajaram de Espanha até Milão para torcerem pela sua equipa num jogo da Liga dos Campeões. No mesmo estádio reuniram-se também 40 mil italianos, muitos deles vindos de Bérgamo, cidade do norte do país.

Nessa altura, ainda não eram conhecidos casos em Itália. Uma semana depois, o número de infetados fixava-se nos 445 e havia já 12 mortes, sendo a região mais afetada a da Lombardia – onde se encontra a cidade de Bérgamo. Não demorou até que as pessoas contagiadas e as vítimas mortais passassem a ser milhares.

Em Espanha, à data do confronto entre Valencia e Atalanta também não estava confirmado qualquer caso. Dias depois, quando a maioria dos três mil espanhóis que se tinham deslocado a Itália já tinha regressado ao país de origem, começou a registar-se uma subida diária que ainda não parou. Neste momento, Espanha conta com mais de 73 mil pessoas infetadas, das quais 12 mil já recuperaram, e seis mil vítimas mortais, o que indica uma taxa de mortalidade de 8,2 por cento.

A 27 de fevereiro, um porta-voz do departamento de saúde da região de Valência confirmou seis novos casos de infeção nessa região. Mais tarde, mais de um terço dos jogadores de futebol do Valencia testaram positivo para o novo coronavírus.

Na primeira semana de março, o ministro espanhol da Saúde decidiu proibir todos os eventos desportivos ao ar livre, incluindo o novo jogo entre Valencia e Atalanta, que decorreu no dia 10 deste mês.

No entanto, outros hábitos em Espanha mantiveram-se, apesar de já existirem casos confirmados no país. Cafés e bares permaneceram abertos, populações continuaram a juntar-se em locais públicos e, no Dia Internacional da Mulher, a 8 de março, milhares de pessoas marcharam pelas ruas. Só em Madrid terão estado cerca de 120 mil.
De Itália e Espanha para Portugal
Esta sequência de eventos pode também explicar alguns dos números em Portugal. De acordo com a Direção-Geral da Saúde (DGS), Espanha é o país do qual Portugal importou mais casos: 124, de acordo com o mais recente boletim epidemiológico. Sábado eram 105.

O segundo paciente diagnosticado com Covid-19 em Portugal tinha, aliás, vindo de Valência. Já o primeiro doente português tinha estado de férias no norte de Itália.

Os mais recentes dados da DGS apontam para 5962 casos confirmados em Portugal, dos quais 119 são vítimas mortais. Até ao momento, apenas 43 pessoas recuperaram da doença em território nacional.

A propagação do novo coronavírus por Itália, Espanha e, depois, Portugal, poderá ainda ser explicada por fatores comuns aos três países, nomeadamente as temperaturas quentes em dias de Inverno que convidam a aglomerados de pessoas pelas praias e cidades e o hábito de frequentar cafés e esplanadas durante todo o ano.
Contagiados sem o saberem
Outra razão para a rápida escalada do surto, independentemente do país, é o facto de os sintomas da Covid-19 várias vezes demorarem a revelar-se e serem semelhantes aos de uma gripe comum. Isto levou a que, na fase inicial de contágio na Europa, muitas pessoas estivessem infetadas sem o saberem.

Os especialistas já concluíram que, apesar de a 19 de fevereiro – dia do jogo entre Valencia e Atalanta - Itália não ter conhecimento de casos no país, o surto já tinha começado a alastrar. Calcula-se que, à data do jogo, existissem já 388 pessoas contagiadas sem o saberem. Muitas delas poderão ter estado nas bancadas do estádio Giuseppe Meazza. O novo coronavírus já infetou, a nível global, mais de 662 mil pessoas, das quais quase 31 mil morreram. Até agora foram 142 mil os pacientes que conseguiram recuperar da doença.

De acordo com o presidente da Câmara de Bérgamo, Giorgio Gori, a propagação do surto não foi originada apenas pelos adeptos que estiveram no estádio. Em Milão, os bares e cafés de toda a cidade estavam cheios de grupos que assistiam ao jogo pela televisão.

“É evidente que essa noite se tornou uma oportunidade para o vírus se espalhar”, lamentou esta semana. “O jogo foi uma bomba biológica”.

O imunologista Francesco Le Foche partilha a mesma teoria. “É provável que tenham existido vários grandes gatilhos para a difusão do vírus, mas o jogo entre Atalanta e Valencia pode muito bem ter sido um deles. Foi uma loucura jogar com uma multidão na plateia, mas na altura as coisas ainda não estavam claras”, argumentou ao diário italiano Corriere dello Sport.
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