Jornalista desaparecido. Turquia pressiona Arábia Saudita

por Raquel Ramalho Lopes - RTP
As autoridades turcas esperaram 13 dias para ter acesso às instalações da embaixada saudita em Istambul e encontraram indícios de pintura fresca no local Murat Sezer - Reuters

A Turquia espera que a sua equipa de investigadores forenses entre esta quarta-feira na residência do cônsul saudita em Istambul. A imprensa turca garante que o jornalista saudita foi torturado e decapitado no Consulado saudita. A imprensa norte-americana avança que um dos 15 sauditas suspeitos de envolvimento no desaparecimento do jornalista tem ligações ao príncipe herdeiro.

O caso do desaparecimento do jornalista saudita, a residir nos Estados Unidos desde 2017, e do possível envolvimento do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman (MbS), de quem era crítico, continua a conhecer desenvolvimentos com grande rapidez.

O jornal The New York Times e a cadeia televisiva CNN noticiam, esta quarta-feira, que cinco dos 15 funcionários sauditas alegadamente envolvidos no desaparecimento do jornalista são próximos do príncipe herdeiro da Arábia Saudita.

Um deles, Maher Abdulaziz Mutreb, é companheiro regular do príncipe nas suas viagens ao exterior. De acordo com o New York Times, Mutreb é um diplomata que em 2007 estava colocado na Embaixada saudita em Londres. Outros três envolvidos também fazem parte do círculo de segurança de Mohamed bin Salman. Já o quinto elemento é médico forense do Ministério do Interior da Arábia Saudita.

Segundo o jornal, pelo menos nove dos 15 suspeitos identificados pelas autoridades turcas trabalha para os serviços de segurança, militares ou ministérios sauditas.

A CNN refere mesmo que a missão foi supervisionada por um alto funcionário dos serviços secretos da Presidência. No entanto, continua por esclarecer se o príncipe Mohamed bin Salman, conhecido pelas iniciais MbS, tinha autorizado o interrogatório, rapto ou assassinato ou sequer se tinha conhecimento da intenção de realizar estas ações.

Os suspeitos terão chegado em dois aviões à Turquia horas antes de o colaborador do Washington Post desaparecer, no dia 2 de outubro no consulado da Arábia Saudita, em Istambul, na Turquia. Estes dois aviões foram fretados pelo Ministério do Interior e por uma empresa ligada ao príncipe Mohamed bin Salman.

O jornal turco Yeni Safak adianta que o jornalista foi torturado e desmembrado ainda vivo. O jornal escreve que os dedos do jornalista crítico do príncipe herdeiro saudita terão sido cortados durante o interrogatório, antes de ser decapitado.

O jornal, que teve acesso aos registos áudio do Consulado, refere que uma das vozes a constar da gravação era do cônsul. Mohamed Al-Otaibi dizia: “Se queres viver, está quieto!”

O cônsul terá tentado que o interrogatório se fizesse noutro local. "Façam-no lá fora. Ainda me vão meter em apuros", foi gravado a dizer.

Ainda segundo a gravação, os acontecimentos que levaram à morte do jornalista duraram sete minutos. É a primeira vez que um jornal turco teve acesso aos registos áudio do consulado.

O site Middle East Eye escreve que o assassinato do jornalista teve lugar no gabinete do cônsul.

Testemunhas no andar inferior escutaram gritos. "O cônsul foi levado da divisão. Não houve tentativa de interrogatório. Vieram para matá-lo,” declarou uma fonte turca que escutou toda a gravação.

Ainda segundo a fonte, o médico legista começou a desmembrar o corpo com o jornalista ainda vivo enquanto escutava música através de auscultadores. “Quando faço este trabalho, escuto música. Deviam fazê-lo também”, terá dito Salah Mohamed al-Tubaigy.

Jamal Khashoggi foi visto pela última vez há precisamente duas semanas, quando entrou no consulado saudita de Istambul para tratar de questões burocráticas relacionados com o seu casamento com a turca Hatice Cengiz.

De acordo com alguns meios de comunicação turcos e norte-americanos, Ancara tem gravações vídeo e áudio que provam que Khashoggi foi morto na sede diplomática.
Conversações “benéficas e frutíferas”
Depois de uma visita a Riade, na terça-feira, o secretário de Estado norte-americano encontrou-se no aeroporto com o Presidente Tayyip Erdogan e com o ministro turco dos Negócios Estrangeiros.

Mike Pompeo e Mevlut Cavusoglu tiveram conversações “benéficas e frutíferas”, de acordo com o ministro turco dos Negócios Estrangeiros. O responsável pela diplomacia norte-americana partiu de Ancara sem prestar declarações.

As autoridades turcas estão a perder a paciência com os adiamentos constantes impostos pelos sauditas. Os peritos forenses turcos, que só tiveram esta terça-feira acesso ao Consulado, encontraram marcas de que tivesse sido recentemente pintado, o que foi prontamente denunciado pelo Presidente Erdogan.

Ainda para esta terça-feira estava prevista a análise da residência do cônsul saudita em Istambul, que abandonou inesperadamente o país. No entanto, a diligência prevista para terça-feira não se realizou por impossibilidade das autoridades sauditas.

O ministro turco dos Negócios Estrangeiros declarou esperar que as equipas de investigação tenham acesso à residência de Mohamed Al-Otaibi ainda esta quarta-feira.
Trump dá o benefício da dúvida
A Arábia Saudita tem negado repetidamente qualquer envolvimento ou responsabilidade no desaparecimento do jornalista e garante que conduzir uma investigação aprofundada e independente.

A promessa feita na terça-feira por Mohamed bin Salman ao secretário de Estado Mike Pompeo. A promessa foi posteriormente repetida, ao telefone, ao Presidente dos Estados Unidos.

“Acabei de falar com o príncipe saudita, que disse não ter qualquer conhecimento do que aconteceu no seu consulado na Turquia”, escreveu Donald Trump no Twitter.

“O príncipe estava com o secretário de Estado Mike Pompeo durante o telefonema, e disse-me que já começou e vai ampliar rapidamente uma investigação completa e aprofundada sobre esta matéria. Haverá respostas em breve”, acrescentou o Presidente norte-americano.

Já Mike Pompeo garante que os interlocutores sauditas foram “muito claros”. “Eles compreendem a importância deste problema, estão determinado a ir ao fundo” nas suas investigações.

Donald Trump também criticou a crescente condenação global da Arábia Saudita no caso do desaparecimento do jornalista Jamal Khashoggi.

Mais tarde, numa entrevista à Fox News, Donald Trump admite que o caso pode ter contornos graves mas defende a presunção de inocência do governo saudita.

O Presidente acrescenta que a gravidade do caso depende se os mais altos responsáveis sauditas sabiam ou não do plano para eliminar o jornalista. “Depende se o Rei o Príncipe herdeiro sabiam, primeiro, o que aconteceu (…) Se sabiam do caso, seria mau. Se não sabiam, coisas más podem acontecer”, declarou.

Donald Trump prestou declarações também a jornalistas da Associated Press, das quais não há registo, mas quem o entrevistou relata que o Presidente comparou a pressão que está a ser colocada sobre a Arábia Saudita com o que aconteceu aquando da nomeação do juiz Bret Kavanaugh para o Supremo Tribunal de Justiça.

O Presidente norte-americano terá declarado que se trata de mais um julgamento apressado, de mais uma situação em que alguém é considerado culpado antes de ter oportunidade de defesa.
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