Os defensores de Putin no Ocidente

Com o início da ofensiva militar na Ucrânia, as críticas ao presidente russo e ao seu círculo aumentaram de tom e as sanções económicas foram aparecendo. Contudo, Moscovo tem importantes aliados em capitais europeias, como o antigo chanceler alemão Gerhard Schroeder e próximos do primeiro-ministro britânico Boris Johnson.

RTP /
Reuters

Além de amigo de Vladimir Putin, o ex-chanceler Gerhard Schroeder é agora diretor e membro da administração da empresa energética Gazprom e também presidente do conselho de administração da maior petrolífera russa Rosneft, ambas controladas pelo Estado russo.

Apesar da proximidade com Putin gerar desconforto na Alemanha, Schroeder nunca abdicou dos seus cargos, nem mesmo após o pedido de demissão do seu chefe de gabinete ao longo de duas décadas, na passada semana. Tal como Albrecht Funk, outros três funcionários de Schroeder decidiram deixar de trabalhar para Schroeder depois de este recusar abandonar as lucrativas posições nas empresas russas.
 
Na semana passada, Schroeder escreveu na rede social LinkedIn que “os dois lados cometeram erros” e considerou que a NATO se expandiu demasiadamente rápido para Leste tendo, desta forma, provocado o Kremlin. Foi a posição mais dura de Schroeder em relação a Moscovo, depois de ter mesmo defendido a concentração de soldados russos na fronteira ucraniana, o que causou embaraço em Berlim.
 
Na Alemanha, a pressão da ala política tem sido cada vez mais intensa. “Está atrasado para pôr termo às relações comerciais com Putin. Espero isso inequivocamente”, escreveu no Facebook o co-líder dos sociais-democratas, Lars Klingbeil. Também é pedido que sejam retirados todos os benefícios resultantes de Schroeder ser um antigo chanceler, incluindo o corte da pensão.

A corrente de desacordo com as posições do antigo chanceler de 77 anos é de tal ordem que o atual chanceler alemão, Olaf Scholz, teve de garantir publicamente que não seria influenciado pelo seu antecessor no contexto da atual crise: "Não lhe pedi conselhos e ele também não me deu nenhum".

Já a opinião de Putin sobre o antigo chanceler é clara. Quanto questionado a 15 de fevereiro sobre as críticas feitas na Alemanha após a candidatura de Schroeder ao conselho de administração da Gazprom, Putin considera que se trata de “uma pessoa honesta que respeitamos, e a Alemanha, os europeus, terão uma pessoa que poderá ao mesmo tempo exercer influência e receber informações diretamente da Gazprom. Só podemos regozijar-nos".

Segundo o presidente russo, a escolha de Gerhard Schroeder seria "uma coisa natural", já que o antigo chanceler alemão é igualmente membro do conselho de administração do gasoduto Nord Stream (da Gazprom), inaugurado em 2011 e em cuja construção desempenhou um papel determinante.

A Alemanha endureceu a sua posição em relação à Rússia, após a invasão da Ucrânia, com múltiplo impacto na sociedade. Na terça-feira, a Orquestra Filarmónica de Munique despediu o maestro Valery Gergiev após este ter recusado distanciar-se de Putin e o clube de futebol Schalke 04 pôs fim ao patrocínio da Gazprom.

Governo britânico considera novas sanções aos oligarcas russos

O Reino Unido considera novas sanções aos oligarcas russos que vivem em Londres, enquanto os receios de que as ligações de próximos do presidente russo o sejam também do primeiro-ministro britânico são verbalizados cada vez mais alto. O motivo: as eloquentes críticas de Boris Johnson contrastam com a fraqueza das sanções impostas até ao momento aos oligarcas.
 
No entanto, a possível influência russa nos destinos do Reino Unido é um tema que desde o envenenamento do ex-espião Serguei Skripal e da filha tem saltado para as páginas dos jornais, como evidencia esta investigação do jornal britânico The Guardian.

Esta quarta-feira, o russo Roman Abramovich confirmou a intenção de vender o clube de futebol Chelsea, bem como duas propriedades em Londres. Abramovich é tanto próximo de Vladimir Putin como de Boris Johnson, que recusou responder à pergunta do líder da oposição sobre o motivo de ainda não ter sancionado o oligarca.
 
Além de Abramovich, que adquiriu a nacionalidade portuguesa devido à ascendência sefardita, seis outros cidadãos russos a viver em Londres têm-se destacado pela generosidade das doações ao Partido Conservador ou pessoalmente ao primeiro-ministro.

Sem que lhes seja conhecida qualquer prática ilegal, o potencial conflito de interesses aumenta o interesse público e a pressão sobre Boris Johnson em relação às suas amizades.

Festas “red light”

Uma destas amizades é com Evgeny Lebedev, dono dos jornais Evening Standard e The Independent, e com o pai Alexander Lebedev, antigo coronel do KGB. Boris Johnson era um dos convidados das extravagantes festas dadas por pai e filho nas casas de Londres e Perugia, Itália.

Os ecos destas festas foram de tal forma alarmantes que os serviços secretos italianos fizeram um relatório secreto para a comissão de supervisão do Parlamento italiano. No relatório, as festas eram apelidadas de “red light” e ficava a dúvida se Alexander Lebedev tinha usado estas festas para obter material comprometedor, frequentemente de cariz sexual, para depois exercer pressão, uma estratégia clássica do KGB.

O relatório percorre a carreira de Alexander Lebedev desde que trabalhou como espião russo em Londres, entre 1988 e 1992, e refere que estaria ligado a operações de “espionagem e interferência”.

O autor questiona se Lebedev pai terá realmente abandonado a polícia secreta russa, uma vez que a sua renúncia foi considerada como “não muito clara”, e alega que este continuou a participar das reuniões anuais no Kremlin.

Boris Johnson tornou Evgeny Lebedev barão e membro da câmara alta em julho de 2020, mas a amizade entre ambos remonta à época em o atual primeiro-ministro era mayor de Londres e quando começou a ser convidado para o Palazzo Terranova, em Città di Castello, Perugia. Um artigo do jornal The Guardian dá conta que Boris Johnson ainda frequentava estas festas em 2019.
 
Avultadas doações para Partido Conservador

Outros empresários russos, como os Chernukhins, fizeram fortuna após a era Soviética e têm contribuído generosamente para o Partido Conservador.

Lubov Chernukhin doou dois milhões de libras ao Partido Conservador desde 2012, incluindo por duas partidas de ténis com Boris Johnson, uma vez quando era mayor de Londres, em 2014, outra já primeiro-ministro, em 2020. Lubov Chernukhim também tem acesso a outros importantes políticos conservadores, como a atual ministra britânica dos Negócios Estrangeiros, Liz Truss.

No entanto, a investigação Pandora Papers revelou que o marido, Vladimir Chernukhim, antigo vice-ministro das Finanças de Vladimir Putin manteve interesses comerciais ativos na Rússia até muito recentemente. Especialistas em política russa observam que não se fazem grandes negócios na Rússia sem mostrar fidelidade a Vladimir Putin. A investigação também lança dúvidas sobre a origem da fonte do financiamento do Partido Conservador.

Em 2018, durante um processo judicial, Chernukhin admitiu ser seu “modus operandi” disfarçar os interesses comerciais, usando “frentes”, “camuflagem” e “participação silenciosa” em acordos comerciais específicos. “Quero ser invisível”, dizia.

Sobre Chernukhin, que deixou a Rússia no início de 2000 e se estabeleceu na Grã-Bretanha, Boris Johnson disse em 2015 que não havia nenhuma sugestão de que fosse um aliado de Putin.
 
Influência no Brexit

Alexander Temerko é, de acordo com o Byline Times um dos elementos do “grupo de empresários do leste europeu” que convenceu Boris Johnson a aderir à causa do Brexit e esteve por trás da estratégia que derrubou a antiga primeira-ministra Theresa May, para levar avante um “Brexit duro”.

Temerko, nascido na Ucrânia soviética, é sócio do russo Viktor Fedetov. Controlam a empresa Aquind, que queria construir um cabo de conexão submarino entre Grã-Bretanha e França, com o intuito de fornecer eletricidade francesa à Grã-Bretanha, com chegada perto de Portsmouth.

Tanto os sócios como a empresa contribuem com somas avultadas para o Partido Conservador. Temerko doou 700 mil libras e a Aquind montante igual. De acordo com a Comissão Eleitoral, Temerko e entidades com ele relacionadas fizeram doações para 11 deputados, incluindo Brandon Lewis, ex-presidente do Partido Conservador, e para o gabinete de Rishi Sunak em Richmond, Yorkshire.

Temerko ajudou a financiar 27 filiais locais do Partido Conservador e até pagou 90 mil libras por um busto de bronze do ex-primeiro-ministro David Cameron durante uma festa de arrecadação de fundos em 2013.

Temerko, que já verbalizou a sua oposição a Vladimir Putin, foi próximo do antigo presidente russo Boris Yeltsin e foi administrador de uma empresa estatal russa de armas. No final da década de 1990, Temerko foi trabalhar para a gigante petrolífera russa Yukos, que começou a sofrer discriminação negativa do Kremlin. Em 2003, o seu presidente, Mikhail Khodorkovsky, foi condenado a uma pena de prisão por corrupção e Temerko fugiu para o Reino Unido no ano seguinte.

Em 2015, escreveu um artigo de opinião no jornal The Guardian em que apelava ao Reino Unido para armar a Ucrânia. “Familiarizado com o modus operandi de Putin e sua camarilha”, Temerko profetizava: “O poder é a única linguagem que entendem; qualquer outra coisa é uma fraqueza a ser explorada enquanto prevalecer. Uma demonstração unida e genuína de determinação dos EUA e da União Europeia para fazer o que for preciso para preservar a integridade territorial da Ucrânia impediria o Kremlin de seguir o seu caminho”.
 
Outros amigos de Temerko serão Nikolai Patrushev, que considera “um homem de família decente”. Patrushev foi director do KGB e é também líder do Conselho de Segurança russo, sob cuja égide críticos como Anna Politkovskaya, Natasha Estemirova e Boris Nemtsov foram assassinados.

O think tank Center for American Progress de Washington, próximo da administração de Joe Biden, considera que “desenraizar os oligarcas do Kremlin será um desafio, dados os laços estreitos entre o dinheiro russo e o Partido Conservador do Reino Unido, a imprensa e seus interesses imobiliário e financeiro”.
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