Paris aconselha franceses a abandonarem o Afeganistão até sábado

por Graça Andrade Ramos - RTP
Um miliciano afegão recarrega a sua arma durante a visita das forças especiais do exército afegão a um centro provincial em Kandahar Danish Siddiqui - Reuters

O Governo francês aconselhou esta terça-feira todos os seus cidadãos a abandonarem o Afeganistão o mais depressa possível, devido "à evolução da situação de segurança e tendo em vista as perspetivas de curto prazo".

O anúncio foi comunicado pela embaixada francesa em Cabul. O texto refere que haverá um “voo especial dia 17 de julho de manhã” fretado por Paris, a partir da capital afegã, “a fim de permitir o repatriamento de toda a comunidade francesa”.

“Nenhum voo especial suplementar poderá ser fretado”, avisou a embaixada, com uma recomendação a todos os franceses no Afeganistão para o aproveitarem. “A embaixada já não será capaz de garantir a sua partida em segurança depois dessa data”.

O recente avanço militar dos taliban, quase sem entraves, sobre as províncias vizinhas de Cabul, leva a admitir que possam avançar sobre a capital e o seu aeroporto nos próximos dias, cortando o caminho de fuga a centenas de ocidentais ainda presentes na cidade.
Taliban apelam à rendição…
Em cerca de dois meses os islamitas assumiram o domínio de grande parte do Afeganistão rural e cercaram as maiores cidades e capitais de província, ainda nas mãos de um exército de Cabul fragilizado. Privados do apoio aéreo dos exércitos ocidentais, em plena retirada do país, o exército fiel ao Governo de Cabul entrincheirou-se nas maiores zonas urbanas e há dúvidas quanto à sua capacidade de resistência.

Os taliban também não querem combater nas cidades, bastiões mais complicados de conquistar. Apelaram por isso esta terça-feira à rendição, pela voz de um dos seus mais altos responsáveis, Amir Khan Muttaqi.

”Agora que os combates vindos das montanhas e dos desertos chegaram às portas das cidades, os mujahidines não querem lutar dentro das cidades. Vale mais que os nossos compatriotas, os eruditos e os ulemas utilizem todos os seus meios para entrar em contacto” com os taliban, “para se conseguir um acordo sensato para evitar estragos às suas cidades”, referiu Mutaqqi.

A tática de dominar as zonas rurais, cercar as cidades e pedir a rendição, é a mesma que permitiu aos taliban assumir o poder no Afeganistão em meados dos anos 90 do século passado.

Ministro da Informação e da Cultura do ex-regime taliban, Khan Mutaqqi lidera a Comissão de Convite e Assistência dos islamitas, à qual se devem dirigir todos aqueles – militares, polícias, responsáveis governamentais, funcionários ou simples civis – que queiram desertar ou render-se.
… e ameaçam Turquia

A confiança dos extremistas islâmicos é tal que deixaram avisos a Ankara quanto à presença de tropas turcas no país para proteger o aeroporto de Cabul após o término da retirada das forças estrangeiras. Os Estados Unidos disseram na semana passada que a sua retirada estará completa até 31 de agosto. Esta seguranda-feira à noite, o ministro da Defesa turco, Hulusi Akar, revelou que o país tinha chegado a acordo com Washington quanto às “modalidades” de uma futura assunção de responsabilidades do aeroporto de Cabul, após a saída do último soldado norte-americano.

Os taliban advertiram esta terça-feira que, para “o Emirado Islâmico do Afeganistão a decisão dos líderes turcos não é sensata, é uma violação da nossa soberania e da nossa integridade territorial”.

Consideramos a manutenção de forças estrangeiras na nossa pátria, por qualquer país que seja e sob qualquer pretexto, como uma ocupação e os invasores serão tratados como tal”, prosseguiu o comunicado dos extremistas islâmicos.

“Se as autoridades turcas não reconsiderarem a sua decisão de continuar a ocupar o nosso país, o Emirado Islâmico irá resistir, como resistiram a 20 anos de ocupação” estrangeira, advertiram.

Nesse caso, a responsabilidade pelas consequências cairá em cima daqueles que interferirem, acrescentaram.

O ministro da Defesa da Turquia lembrou que "o aeroporto tem de se manter aberto e a funcionar. Todos os países concordam. Se o aeroporto não operar, os países terão de retirar as suas missões diplomáticas" do Afeganistão.

Vigia nos arredores de Cabul, julho de 2021 Foto - Reuters
Mundo atento
Numa mensagem áudio transmitida para todo o país através da rede Twitter, um porta-voz afirmou entretanto que os taliban “garantem a todos os habitantes que o Afeganistão será a pátria de todos e que ninguém tentará vingar-se”. O avanço taliban das duas últimas semanas levou mais de 5.600 famílias a abandonarem as suas casas, a maioria nas áreas a norte do país, de acordo com o ministério afegão para os refugiados e repatriamentos. A região é o bastão tradicional de senhores de guerra aliados nos norte-americanos e domínio de minorias étnicas.

Em fevereiro de 2020, os taliban assinaram com os Estados Unidos um acordo que proíbe os combatentes de capturar as capitais de província, revelou a agência Associated Press esta terça-feira.

Duas delas - Kandahar no sul e Badghis, no norte - estão cercadas. Um ataque recente contra a prisão de Kandahar foi rechaçado mas em toda a região há centenas de pessoas em fuga.

O Ministério da Defesa afegão anunciou por seu lado durante o fim de semana que um sistema de defesa anti-morteiros foi instalado em Cabul, sem revelar quem o fez ou quanto custou.

Os Estados Unidos, a Rússia, a China e até mesmo o vizinho Paquistão, ameaçaram os taliban contra qualquer tentativa de conquista militar, advertindo que se tornariam párias internacionais. A liderança taliban nega que o esteja a fazer, apesar de em encontros recentes com iranianos e russos se tenham gabado dos seus avanços.
pub