Taliban reivindicam controlo de 90% das fronteiras afegãs. General dos EUA reconhece "vantagem estratégica" dos islamitas

por Graça Andrade Ramos - RTP
O general Mark Milley, chefe do Estado-Maior dos Estados Unidos, no Pentágono, dia 21 de julho de 2021 Reuters

Um representante dos combatentes islamitas afegãos, Zabioulla Moudjakhed, garantiu a uma agência noticiosa russa que as forças taliban controlam 90 por cento dos postos fronteiriços do Afeganistão, consolidando o domínio do território que têm vindo a ocupar desde maio face à retirada das forças ocidentais.

"As fronteiras do Afeganistão com o Tajiquistão, o Uzbequistão, o Turquemenistão, o Irão, cerca de 90 por cento das fronteiras, estão sob o nosso controlo", afirmou esta quinta-feira Moudjakhed à agência pública Ria Novosti. O domínio taliban estendeu-se nos últimos dois meses sobretudo nas áreas rurais, de onde parte da população se pôs em fuga.

Os militantes são acusados de exagerar amiúde as suas conquistas como forma de propaganda e esta, a sua reivindicação mais recente, não pôde ser confirmada por fontes independentes.

O chefe de Estado-Maior norte-americano, o general Mark Milley, veio contudo quarta-feira confirmar em parte a abrangência crescente da presença militar taliban, apesar de se mostrar confiante.

Os combatentes islamitas controlam atualmente "cerca de metade", ou mais de 200, dos 419 distritos do Afeganistão, e "parecem ter uma vantagem estratégica", reconheceu o general durante uma conferência de imprensa no Pentágono, em Washington. Em junho, Milley afirmara que os taliban controlavam 81 distritos.

Mark Milley sublinhou contudo que nenhuma das grandes cidades afegãs caiu perante o avanço taliban e todas se mantêm sob controlo do exército afegão regular, que ali se tem reagrupado para proteger as populações.

Os taliban estão a "pressionar os arredores" de 17 das 34 capitais de província. "O que estão a tentar fazer é isolar os maiores centros populacionais. Estão a tentar o mesmo em Cabul", referiu.

Mas o exército leal a Cabul, de 300 mil homens treinados e equipados pelo Ocidente, "tem os meios" para defender o país, fez notar. Tudo depende agora da "determinação e da liderança do povo afegão, das forças afegãs e do Governo afegão", reiterou.
EUA "mantêm" apoio
A expetativa é de escalada nos combates nas próximas semanas, após o feriado do Eid al-Adha.

"Isto vai ser um teste", considerou Milley. "Uma vitória militar automática dos taliban não está garantida", apesar da propaganda emitida pelos militantes através da rádio, impulsionados pelo recente avanço, sublinhou o militar.

Na mesma ocasião, o secretário norte-americano da Defesa, Lloyd Austin, garantiu por seu lado que os Estados Unidos "se mantêm comprometidos no auxílio ao exército afegão e ao Governo afegão no futuro".

O país entregou sexta-feira três helicópteros de combate Blackhawk ao exército afegão numa primeira leva de diverso equipamento. A retirada norte-americana, que levou em efeito dominó à saída de todos os outros contingentes ocidentais, foi anunciada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em meados de abril e deverá estar concluída até 31 de agosto. Mais de 9.000 soldados e civis americanos foram já repatriados e o equivalente à carga de 984 aviões C.17 regressou também aos Estados Unidos, revelou Milley.

Os norte-americanos mantêm o objetivo de evitar o regresso da al Qaida, recordou Austin, e unidades militares foram posicionadas no Qatar para continuar a lutar contra os jihadistas no Afeganistão, após a partida das tropas estrangeiras, revelou.

"Um pequeno contingente constituído principalmente por pessoal militar mas também por civis e subcontratados afegãos, assim como diplomatas, fica no Afeganistão para garantir a segurança e reforçar a nossa presença diplomática em Cabul", acrescentou o secretário da Defesa.
Negociações fracassam
Os taliban anuíram em 2020, ainda sob a Administração Trump, a estabelecer negociações com o governo de Cabul apoiado pelo Ocidente, em troca da retirada militar. Os militantes islamitas aceitaram ainda evitar a reimplantação da al Qaida e de outros grupos armados no país e comprometeram-se, sob pena de reverter a retirada, a não atacar militarmente as cidades.

Oficialmente, o objetivo é conseguir um acordo político que leve à estabilidade no país devastado por décadas de guerra.

Uma delegação do Governo afegão e representantes taliban reuniram-se em Doha este fim de semana sem conseguir chegar a acordo para um tão esperado cessar-fogo. Negociações paralelas sob a égide da Rússia, do Irão e do Paquistão também não têm obtido sucesso.

Todos os países vizinhos sustêm a respiração perante a incerteza. Esta quinta-feira, o Tajiquistão, que tem sido invadido por centenas de tropas afegãs em fuga perante o avanço taliban, mobilizou todo o exército para exercícios militares surpresa, os maiores de sempre no país. O presidente tajique também apelou aos seus cidadãos para ficarem prontos a "defender a paz", perante a degradação do que se passa no seu vizinho do sul.

O destino da região está longe de estar desenhado.

"Existe a possibilidade de um desfecho negociado. Isso mantém-se. Existe a possibilidade dos taliban assumirem o domínio completo. Há a possibilidade de uma série de outros cenários: fragmentação, emergência de senhores da guerra..." disse Milley.

O Governo de Cabul tem acusado os taliban de destruir centenas de edifícios governamentais em 29 das 34 províncias, com o grupo a negar quaisquer atividades de destruição em grande escala por parte dos seus combatentes.

Quinze missões diplomáticas e o representante da NATO no Afeganistão apelaram os taliban segunda-feira a deter a sua ofensiva, horas depois do fracasso das conversações em Doha.
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