Tensão cresce na Cisjordânia. Pelo menos nove mortos em incursão israelita no campo de Jenin

por Andreia Martins - RTP
Alaa Badarneh - EPA

As forças israelitas mataram pelo menos nove palestinianos durante uma incursão no campo de Jenin, a norte da Cisjordânia ocupada. Outras 20 pessoas ficaram feridas após o ataque na manhã de quinta-feira, quatro em estado grave. Este foi um dos dias mais mortíferos no território desde que os ataques israelitas se intensificaram no ano passado e acontece dias antes da visita do secretário de Estado norte-americano a Israel e à Cisjordânia.

De acordo com o Ministério palestiniano da Saúde, entre as vítimas mortais inclui-se uma mulher com cerca de 60 anos. Algumas das vítimas mortais estavam associadas a grupos armados ligados à Fatah, indicaram ainda as autoridades palestinianas.

A agência Reuters indica que as forças israelitas mataram sete homens armados e dois civis.


A estação Al Jazeera cita vários palestinianos, que falam num “massacre” no campo de Jenin. O ministro palestiniano da Saúde acrescentou que a situação no terreno continuava difícil mesmo após a retirada das forças israelitas, acusando-as de procurarem bloquear o acesso por parte de ambulâncias e cuidados médicos.

“Há uma invasão sem precedentes… em termos de tamanho e número de feridos. O motorista da ambulância tentou chegar a um dos mártires que estava no chão, mas as forças israelitas atiraram diretamente sobre a ambulância”, indicou Wissam Baker, chefe do hospital público de Jenin.

De acordo com o mesmo responsável, as forças israelitas também dispararam gás lacrimogéneo contra o hospital, tendo afetado particularmente a área da pediatria. Várias crianças sofreram de asfixia devido a esta ação, acrescentou.

O Exército israelita negou ter disparado gás lacrimogéneo de forma deliberada contra o hospital. “Ninguém atirou gás lacrimogéneo de propósito contra o hospital”, disse um porta-voz do Exército.

Reconheceu, no entanto, que a intervenção do exército não ocorreu longe do hospital, pelo que, admite, “é possível que algum gás lacrimogéneo tenha entrado através de uma janela aberta”.

Após esta incursão em Jenin, registaram-se vários confrontos entre palestinianos e forças israelitas em vários pontos da Cisjordânia.

No Complexo Médico de Ramallah, há já registo de pelo menos uma vítima mortal e sete feridos. O Ministério palestiniano da Saúde adiantou que "um jovem de 22 anos" morreu na sequência de ferimentos graves após "disparos" de forças israelitas em al-Ram.

A Autoridade Nacional Palestiniana declarou três dias de luto nacional pelas vítimas mortais desta quinta-feira e convocou uma greve geral.
Israel "vai pagar pelo massacre"

Na sequência do ataque desta quinta-feira e do agudizar das tensões, o primeiro-ministro palestiniano apelou à “intervenção urgente” por parte das Nações Unidas e de outras organizações humanitárias internacionais.

De igual forma, o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, indicou já esta quinta-feira que os palestinianos decidiram acabar com a coordenação de segurança com Israel.

“À luz das repetidas agressões contra o nosso povo e do enfraquecer dos acordos assinados, incluindo de segurança, consideramos que a coordenação de segurança com o Governo de ocupação israelita já não existe neste momento”, vincou.

Entretanto, um dos líderes do movimento Hamas, Saleh aç-Arouri, já veio garantir que Isreal "vai pagar pelo massacre" de Jenin. "A nossa resistência não vai quebrar e vai responder em breve", adiantou, citado pelas agências internacionais.

As forças israelitas procuraram justificar o ataque, alegando que o objetivo desta intervenção foi deter combatentes da Jihad islâmica suspeitos de estarem a preparar “vários ataques terroristas de larga escala”.

A intervenção ocorreu às primeiras horas da manhã desta quinta-feira, com o Exército israelita a cercar o acampamento com dezenas de veículos blindados. “Durante a operação, as forças de segurança fizeram o cerco ao edifício onde se encontravam os suspeitos. Dois suspeitos armados foram identificados enquanto fugiam do local e foram neutralizados pelas forças de segurança”, adiantaram as autoridades israelitas em comunicado.

Não há registo de feridos entre as forças israelitas envolvidas em combates com a resistência palestiniana.

Jenin é uma das zonas no norte da Cisjordânia onde Israel tem intensificado a sua intervenção ao longo dos últimos meses, numa tentativa de reprimir a crescente resistência armada por parte dos palestinianos.
Os avisos a Netanyahu e a visita de Blinken

Este foi um dos dias mais mortíferos dos últimos anos na Cisjordânia, sendo que este tipo de incursões teve uma frequência sem precedentes desde o final da segunda Intifada, entre 2000 e 2005. De acordo com a agência France Presse, o conflito israelo-palestiniano provocou a morte de 186 pessoas no ano passado, incluindo 31 israelitas.

Em 2023, desde o início do mês, já morreram 29 pessoas.

Horas depois da incursão no campo de Jenin, os Estados Unidos assumiram preocupação, descrevendo as baixas civis como “lamentáveis”, frisou Barbara Leaf, do Departamento de Estado.

A invasão acontece em vésperas da visita do secretário de Estado norte-americano à região. Antony Blinken irá iniciar o périplo pelo Médio Oriente no próximo domingo, começando no Egito e viajando depois para Israel e finalmente para a Cisjordânia.

Blinken deverá reunir-se em separado com o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, e com o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas.

Esta viagem ocorre também após a chegada ao poder, em dezembro último, do governo mais à direita da história de Israel, em que Netanyahu conta com parceiros ortodoxos e de extrema-direita e com o objetivo declarado de desenvolver novos colonatos na Cisjordânia.

Mas dentro do próprio governo há sinais de preocupação perante os avanços israelitas. De acordo como jornal Hareetz, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu foi alertado por responsáveis jurídicos do Ministério da Defesa para os perigos de eventuais mudanças prometidas no âmbito dos acordos de coligação e formação de governo.

De acordo com o diário israelita, em causa está um acordo de coligação com o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, que também acumula funções no Ministério da Defesa. Esse entendimento, segundo o ministro, previa que lhe fosse entregue autoridade total sobre todos os órgãos civis na Cisjordânia.

No entanto, segundo dois responsáveis de Defesa, incluindo um consultor jurídico do Ministério e a major-general do Exército Yifat Tomer-Yerushalmi, tal concessão de poder e autoridade a Bezalel Smotrich poderá ser considerada pelas normas internacionais como uma anexação de facto dos territórios da Cisjordânia, nomeadamente pelo Tribunal de Haia.

c/ agências internacionais
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