Audição Caso Gémeas. Lacerda Sales rejeita "servir de bode expiatório"
O antigo secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, invocou esta segunda-feira no Parlamento o estatuto de arguido para não responder às questões dos deputados na Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso das gémeas luso-brasileiras tratadas no Hospital de Santa Maria com o medicamento mais caro do mundo. Numa declaração inicial, Lacerda Sales rejeitou responsabilidades nesta polémica e recusou "servir de bode expiatório".
“Não menos importante é o facto de o processo se encontrar em segredo de justiça, razão pela qual não posso falar dos factos que constituem o processo”, acrescentou.
“Não estou disponível para servir de bode expiatório num processo político e mediático a qualquer custo”, disse ainda o arguido neste caso.
Lacerda Sales disse terem ficado várias “pontas soltas” neste relatório, que “mais parece uma tentativa de corresponder à pressão mediática instalada pela comunicação social, que hoje se sobrepõe (…) à busca e apuramento da verdade”.
“Não posso aceitar as conclusões do relatório da IGAS quanto à responsabilidade que me imputa, do mesmo modo que não posso aceitar as conclusões da auditoria do Hospital de Santa Maria quanto à alusão à referenciação do secretário de Estado da Saúde”, continuou.
Segundo o responsável, “as regras clínicas foram respeitadas e ninguém passou à frente de ninguém, pois está bem claro que não havia sequer lista de espera”.
Em resposta a André Ventura, Lacerda Sales disse que nunca falou com o presidente da República, com o ex-primeiro-ministro ou com a antiga ministra da Saúde Marta Temido sobre o caso das gémeas.
"O senhor Presidente da República nunca falou comigo sobre este caso", afirmou, recusando também ter falado com António Costa ou Marta Temido sobre a situação destas crianças.
António Lacerda Sales salientou que "ninguém passou à frente de ninguém, nem sequer há lista de espera", reiterando que "foram tratadas até hoje 36 crianças" com o mesmo tratamento.
André Ventura questionou ainda o antigo secretário de Estado se é comum haver favores na área da saúde, e Lacerda Sales respondeu que não.
Na segunda ronda de perguntas, Lacerda Sales escusou-se a responder se deu alguma indicação para a marcação da primeira consulta das gémeas tratadas com o medicamento Zolgensma e disse não ter recebido nenhum ofício de alguém hierarquicamente superior.
"Não remeto responsabilidades para ninguém" sobre a marcação da consulta, respondeu, afirmando esperar que o Ministério Público o faça. Já nas suas declarações finais, Lacerda Sales disse já ter assumido a responsabilidade política pelo caso das gémeas. "Sendo eu secretário de Estado, tenho a responsabilidade política de todo o gabinete", declarou.
Em resposta ao deputado do CDS-PP João Almeida, António Lacerda Sales disse não ter recebido "nenhum ofício" sobre o caso das gémeas luso-brasileiras que sofrem de atrofia muscular espinal.
"No meu gabinete não entrou nenhum ofício vindo do primeiro-ministro, do presidente da República ou da ministra, nem de ninguém que pudesse hierarquicamente estar acima de mim", afirmou.
Questionado se a decisão de administração do medicamento Zolgensma cumpriu os formalismos aplicáveis, o antigo secretário de Estado, médico de profissão, indicou que "a administração dos medicamentos é sempre em função do critério clínico”.
Questionado sobre se esses pedidos poderiam ser entendidos como pressões da tutela, o ex-secretário de Estado da Saúde respondeu que a função dos governantes é "ajudar as pessoas".
“Este é um caso que consiste numa doença degenerativa que afeta todo o organismo, enfraquecendo os músculos e os órgãos. É uma doença que é quase sempre diagnosticada na infância, mas mais grave: é uma doença que tem como consequência a morte de crianças”, explicou.
“Felizmente, o Serviço Nacional de Saúde não abandonou casos como este, procurando e providenciando as melhores soluções e inovações terapêuticas para melhoria da qualidade de vida das crianças”.
O ex-secretário de Estado Adjunto e da Saúde frisou que “o que hoje aqui se discute é um caso que interfere com o SNS, com a cidadania, com os direitos de acesso aos cuidados de saúde, com as tipologias de cuidados oferecidos ou disponível, o acesso a terapêuticas inovadoras, o financiamento de cuidados, as barreiras que devem ser ou não interpostas entre pessoas carecidas de cuidados e as organizações prestadoras dos mesmos, as regras de acesso aos cuidados e os respetivos procedimentos, bem como a adequação e flexibilidade dessas regras à garantia de acesso”.
“Porém, é também um caso que assumiu relevância mediática e política”, acrescentou.