MAI instaura inquérito a morte de criança em Loures

O Ministério da Administração Interna (MAI) instaurou um processo para averiguar as condições em que morreu um rapaz de 12 anos, ontem, vítima de disparos da Guarda Nacional Republicana (GNR) durante uma perseguição, no concelho de Loures. Os dois homens que seguiam na carrinha com a criança devem apresentar-se periodicamente às autoridades.

Raquel Ramalho Lopes, RTP /
O pai da criança que morreu e condutor da viatura que terá tentado atropelar um polícia deverá apresentar-se semanalmente às autoridades José Sena Goulão/ Lusa

O MAI expressa “a sua consternação pela morte de uma criança que era transportada por suspeitos de um crime em fuga”. A GNR também anunciou a abertura de um inquérito interno para esclarecer o contexto dos disparos.

As autoridades referiram que a criança seguia numa carrinha Ford Transit juntamente com dois familiares, ambos de 30 anos e com cadastro criminal. Segundo testemunhas oculares, os bombeiros apareceram rapidamente e transportaram o menino para o Hospital de Santa Maria, onde acabou por sucumbir, depois de várias tentativas de reanimação.

Os dois homens, que tinham alegadamente perpetrado um assalto, foram detidos junto à Igreja de Santo Antão do Tojal, logo após a perseguição. Passaram a noite nas instalações da GNR de Loures. “Estão detidos sob acusação de furto e por terem desobedecido à ordem de paragem da GNR”, dizia ontem o seu defensor.

O advogado da família confirmou à RTP que vai ser apresentada queixa-crime por homicídio, apesar de ainda não estar decidido se esta será contra a GNR ou contra o militar responsável pelo disparo.

Os dois homens foram presentes ao juiz do Tribunal de Loures. O pai do menino que morreu deverá apresentar-se todas as semanas às autoridades, enquanto o tio deverá fazê-lo de duas em duas semanas. Fernando Carvalhal adiantou que ambos são acusados do "crime de furto e de resistência, e coacção sobre funcionário".

O autor do disparo que vitimou a criança está de baixa “por incapacidade física”, avança a GNR, após observação no Hospital de Santa Maria. O comando admitiu ainda que o militar disparou cinco vezes durante a perseguição e que ficou ferido devido à tentativa de atropelamento dos alegados assaltantes. As autoridades sublinharam que, ao nível emocional, o militar “não se encontra mas melhores condições”.

Relato de um eventual assalto e perseguição

A morte do rapaz ocorreu ontem, após as 17h30, depois de um alegado assalto a uma vacaria, onde estavam guardados materiais de construção, junto a uma quinta em Santo Antão do Tojal. As versões da polícia e dos assaltantes diferem no que respeita à própria realização de assalto, à não visibilidade da criança e ao alegado disparo pelos homens em fuga.

A pessoa que deu o alerta, o próprio dono, terá dito à polícia que estava a ser alvo de ameaças. Acrescentou que era “a quarta ou quinta vez” que as mesmas pessoas iam ao local para “roubar grades, ferro e até mesmo gado”. Os funcionários confirmaram que os assaltos às instalações eram frequentes, assim como corroboraram as ameaças.

O advogado dos homens responde que “na perspectiva dos detidos trata-se da recolha de ferros usados em obra” e não de furto. “Não estavam fechados, mas não consegui verificar se estava vedado o acesso. Parece-me que estavam ao ar livre”, acrescentou Fernando Carvalhal.

A GNR apontou ainda que os dois adultos seguiam numa carrinha “com os vidros pintados”. A hipótese de a criança não estar visível foi afastada pelo advogado da família, que contrapôs que esta viajava junto a uma janela aberta. “Quanto se manda parar uma viatura e esta não pára, mesmo nessa circunstância, não se justifica fazer cinco disparos à carrinha, ainda para mais quando viajava uma criança à janela”, disse.

A terceira divergência nos relatos da GNR e dos alegados assaltantes deve-se ao motivo que levou a polícia a disparar. Fonte da GNR contou que o condutor, o pai da criança, tentou atropelar um dos militares que surpreenderam os assaltantes em flagrante delito.

“A carrinha iniciou a marcha em alta velocidade direito a um militar da GNR, obrigando este a atirar-se para cima da viatura de serviço para evitar ser colhidos e salvar a sua vida”, relatou o tenente-coronel Cardoso Pereira.

Uma outra fonte militar acrescenta que os assaltantes terão “sacado de um objecto”, que foi interpretado pela GNR como uma espingarda. Contam que depois ouviram um tiro e que responderam com disparos “para os pneus”. Um destes projécteis foi desviado “devido aos solavancos” do caminho de terra, acrescenta a fonte, e atingiu a criança.

O defensor dos assaltantes confirma que foi encontrada na carrinha uma pistola de calibre 6.35, mas sublinha que “estava descarregada e sem sinal de ter feito fogo”.

Fernando Carvalhal aponta uma “franca discrepância no testemunho dos guardas”. “É uma situação claramente deficitária em termos de informação, relativamente ao procedimento da guarda e ao uso das armas de fogo Isso tem de ser muito bem apurado”, nota.

Também o tio da criança criticou a actuação da polícia, que acusou de “atirar a matar”, apesar de não ter presenciado os acontecimentos. “Já tinham vazado o pneu, não precisavam de fazer mais dois tiros. Isto foi racismo”, disse o homem, que explicou que a viatura efectuava “recolha de sucata”.
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