Oposição questiona rigor dos números do Governo

A política orçamental do Governo foi esta sexta-feira o alvo de uma barragem de críticas dos partidos à esquerda e à direita do PS. PSD e CDS-PP, que vão viabilizar o Orçamento do Estado para 2010, acusaram José Sócrates de ter “escondido” a realidade do défice. PCP, BE e PEV condenaram o acordo obtido “com as direitas” a expensas do investimento público.

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Sócrates prometeu taxar as mais-valias bolsistas "em linha com as melhores práticas europeias e mundiais" Manuel de Almeida, Lusa

Foi a líder do PSD quem introduziu no debate quinzenal o tema quente do défice das contas públicas, que levou entidades como a Confederação da Indústria Portuguesa e o Núcleo de Estudos de Conjuntura da Universidade Católica a aventarem a possibilidade de uma manipulação nas projecções do Executivo socialista.

Manuela Ferreira Leite quis saber o motivo pelo qual, acusou, o Governo "escondeu" a situação orçamental do país, ao agravar em mais de um ponto percentual, entre o último orçamento rectificativo e a apresentação da proposta de Orçamento do Estado, a estimativa do défice em 2009 para os 9,3 por cento: "Porque escondeu? Porque não disse? O que se passou entre o orçamento rectificativo e há meia dúzia de dias para o défice ter tido este agravamento?".

Na primeira réplica, José Sócrates argumentou que, à altura da apresentação do orçamento rectificativo, as informações do Ministério das Finanças indicavam um défice de oito por cento. Por outro lado, prosseguiu o primeiro-ministro, a projecção de um défice na ordem dos 9,3 por cento tem na quebra de receitas uma "razão fundamental". "A despesa esteve sempre controlada", acrescentou Sócrates.

"Que saudades do tempo em que tomou posse, em Abril, e conseguiu estimar o défice até à centésima. Não foi um caso de Prémio Nobel, mas seguramente um caso de tese de doutoramento. Agora, em Dezembro, não consegue fazer estimativas até ao final do ano", ironizou Ferreira Leite.

Depois de admitir o "défice histórico" em 2009, o primeiro-ministro evocou os casos de países como os Estados Unidos, a Espanha e o Japão como exemplos de descontrolo orçamental causado pela crise financeira e económica.

"Não respondeu exactamente àquilo que eu perguntei. Eu não fiz nenhuma alusão ao valor do défice, se era alto, se era baixo, se devia ser maior ou se devia ser menor. Aquilo que eu lhe pergunto é porque é que escondeu. Porque é que não disse ao povo português o valor desse défice?", insistiu a presidente do PSD.

País "precisa de estadistas"

No debate quinzenal com o primeiro-ministro, a líder social-democrata referiu-se ainda ao acordo com vista à viabilização do Orçamento do Estado para este ano, dizendo que o desfecho das negociações com o Governo socialista só foi possível porque o país "não aguenta mais que a política seja dirigida em função dos votos".

A política, afirmou Manuela Ferreira Leite, "só pode ser seguida em função do interesse nacional: "Aquilo de que o país precisa neste momento não é de políticos. Como alguém disse, aquilo de que o país precisa neste momento não é de políticos, é de estadistas".

O primeiro-ministro voltaria à carga contra os argumentos do PSD, sustentando que "nunca houve tanta transparência, verdade e credibilidade" na publicação de dados sobre as contas públicas do país. José Sócrates negou "autoridade moral" à líder social-democrata para lançar críticas ao Executivo.

"Enquanto ministra das Finanças, durante três anos, não fez nada mais do que esconder a situação orçamental de todo o mundo, recorrendo às manigâncias das receitas extraordinárias. Isto realmente é querer esconder e olvidar todo o passado político das contas públicas em Portugal. Quem quer esconder é quem recorre à titularização de dívidas ao Estado para efeitos de redução de forma maquilhada do défice orçamental", lançou Sócrates.

"Jogo limpo"

Também o líder do CDS-PP confrontou o José Sócrates com a estimativa de défice apresentada na terça-feira pelo ministro das Finanças, acusando o chefe do Governo de ter ocultado dados não só sobre o descontrolo orçamental, mas também sobre as estimativas do desemprego na antecâmara das eleições legislativas.

"O senhor conscientemente não deu aos portugueses informações sobre o défice que já podia prever, não deu informações sobre o desemprego que já podia estimar e não deu informações sobre o endividamento para os cidadãos que tinham de escolher no dia 27 de Setembro", afirmou Paulo Portas.

Portas recordou mesmo uma das frases utilizadas por Sócrates durante a campanha para as legislativas - "está para nascer um primeiro-ministro que tenha feito mais pelo défice do que eu" -, aconselhando "uma rectificação": "Está para nascer um primeiro-ministro que tenha um défice maior do que o meu".

Na resposta, José Sócrates garantiu ter feito "jogo limpo", assinalando que a Direcção-Geral do Orçamento fez sair, ao longo do Verão, "a informação económica que estava disponível".

"Sentido de responsabilidade"

Paulo Portas justificou, ainda, a abstenção do CDS-PP na votação do Orçamento do Estado para 2010 com o argumento do "sentido de responsabilidade", num momento em que Portugal se encontra "sob advertência externa".

"Quando diz que Portugal está sob vigilância, não é apenas Portugal, são todos os países do Mundo, os EUA com um défice de 12,5, estão sob vigilância das agências internacionais e dos mercados", contrapôs o primeiro-ministro, acrescentando que "dizer que todo o Mundo está a olhar para nós não só é um exagero como é uma visão paroquial da situação".

José Sócrates argumentou, por outro lado, que o Governo recusou as propostas dos democratas-cristãos para um aumento das pensões e uma redução de impostos porque significavam "mais despesa e menos receita": "Então nós íamos dar bons sinais aos mercados aumentando pela segunda vez e de forma extraordinária as pensões mínimas? Então o que é que um analista pensaria disso? Tamanha incoerência".

Governo vai taxar mais-valias em bolsa

Depois de criticar o que considerou ser a "manigância de um acordo com as direitas" a propósito do Orçamento do Estado, o coordenador político do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, questionou o primeiro-ministro sobre a imposição de uma taxa sobre as mais-valias bolsistas, uma das promessas eleitorais dos socialistas.

"Leio nos jornais que os dez maiores investidores na bolsa ganharam cinco mil milhões de euros este ano, tivessem vendido as acções e pagavam zero cêntimos de imposto. O Governo prometeu aos portugueses que aqui haveria igualdade e não há", lançou Louçã. Para depois deixar uma pergunta: "Como pode olhar nos olhos de uma trabalhador e dizer que do seu salário paga 20, 30 ou 40 por cento de IRS e quem vende acções na bolsa não paga um cêntimo de imposto sobre esse rendimento?".

José Sócrates disse ter tomado nota de "um certo ciúme" pelo "sucesso político" das negociações sobre o Orçamento, condenado o dirigente do BE por se referir ao "resultado de uma negociação política como manigância".

Quanto às mais-valias em bolsa, o primeiro-ministro garantiu que o Governo vai taxá-las "em linha com as melhores práticas europeias e mundiais" na actual legislatura, instando Francisco Louçã a apresentar "legislação para acabar com os benefícios fiscais dos PPR e os benefícios fiscais na saúde".

"O dever moral de um Governo é fazer mais investimento público seja qual for a opinião das agências de rating. O que faz o Governo? Baixa o investimento público, 25,4 por cento o PIDDAC, em 2005, com crescimento económico, eram 6.700 milhões, agora são quatro mil milhões, diz uma coisa e faz outra. Uma manigância é dizer uma coisa aos portugueses e fazer outra, isso é falta de responsabilidade", rematou Louçã.

"O alvo mais fácil"

Com a proposta de Orçamento do Estado em pano de fundo, o secretário-geral do PCP acusou o Executivo socialista de ter escolhido "o alvo mais fácil" para atacar o défice das contas públicas, enumerando, em seguida, "os salários, os postos de trabalho, os cortes no PIDDAC, a cativação em relação ao investimento".

Jerónimo de Sousa criticou também o acordo obtido entre Governo, PSD e CDS-PP, classificando-o como um compromisso que "salvou a política de direita, porque o interesse nacional tem as costas largas". O dirigente comunista citou depois as privatizações do "bife do lombo": ANA, REN - Redes Eléctricas Nacionais, e TAP.

"Este Governo fez uma opção. Está do lado dos mais poderosos e não do lado de quem trabalha", frisou Jerónimo de Sousa.

"Nunca houve um orçamento bom? Querem convencer os portugueses de que a posição do PC, de ter estado sempre contra, é uma posição razoável e credível? Acham que a única possibilidade de estar de acordo com um orçamento foi no tempo do primeiro-ministro Vasco Gonçalves?", devolveu José Sócrates.

Postura "arrogante e distante"

Jerónimo de Sousa instou ainda José Sócrates a ouvir os protestos dos enfermeiros e a pôr de parte a habitual postura "arrogante e distante". Ao que o primeiro-ministro assegurou que o Executivo aguarda o termo dos protestos para voltar "rapidamente à mesa negocial", criticando que "haja partidos sempre disponíveis para aproveitar todas as lutas corporativas".

"Nunca nos passou pela cabeça que os partidos tivessem neste Parlamento posição igual à dos sindicatos", disse Sócrates.

O secretário-geral comunista pediu, então, ao primeiro-ministro para não estranhar "a solidariedade do PCP em relação às injustiças de que são vítimas os trabalhadores": "Este Partido Socialista nunca é capaz de demonstrar solidariedade para com uma luta".

"Governo liquida postos de trabalho"

"O Governo liquida postos de trabalho". Foi com esta frase que a deputada Heloísa Apolónia, do Partido Ecologista "Os Verdes", pautou a sua intervenção no debate quinzenal na Assembleia da República, criticando a postura do Governo para com os trabalhadores da Função Pública.

Na resposta, José Sócrates advogou que "o controlo das despesas com funcionários" é um dos instrumentos essenciais para o controlo da despesa global: "Nenhum Estado responsável pode aceitar o descontrolo das despesas com funcionários. Quem paga os funcionários públicos são os impostos de todos os portugueses".

"Sabe qual é o problema? É que o Governo pode ter contribuído para diminuir a despesa, mas pode também ter contribuído para aumentar um problema maior, que é o desemprego", insistiu Heloísa Apolónia.

A deputada do PEV condenou ainda o facto de o Governo estar a "aliar-se à direita", citando como exemplos desse alinhamento a política de privatizações e o congelamento dos salários da Função Pública.

"À primeira oportunidade que o Governo teve para se redefinir ideologicamente depois das eleições, não teve nenhuma dúvida, não hesitou em aliar-se à direita", afirmou.

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