A falta de mão-de-obra na Rússia está a provocar um aumento dos salários, mas também a contribuir para um aumento acentuado das desigualdades, segundo o Centro de Análise e Previsão Macroeconómica (CMACAP).
"A desigualdade de rendimentos entre os principais grupos sociais na Rússia aumentou acentuadamente no final de 2023", afirma o CMACAP no estudo "Bem-estar da População: Crescimento Desigual", citado hoje no Jornal Independente.
O rendimento real em dinheiro da população está a crescer a um nível recorde e acima das previsões do Ministério da Economia russo e de especialistas independentes, e a componente mais importante do crescimento são, este ano, os salários.
Os salários aumentaram 7,8 por cento em 2023 - variação mais elevada desde 2018, ano em que aumentaram 8,5 por cento - e de janeiro a maio deste ano subiram 10 por cento.
O aumento dos salários abrangeu quase todas os setores, incluindo as finanças (16 por cento), a construção (13 por cento), actividades administrativas (12 por cento), indústria transformadora (13 por cento) e mineira (12 por cento), devido à "escassez de mão-de-obra em quase todos os sectores da economia", adianta o CMACAP.
Os especialistas também apontam para uma "disparidade" da evolução entre os diversos grupos sociais, com "o enriquecimento de alguns grupos e o empobrecimento de outros".
"Actualmente, porém, o país regista um aumento do nível de vida de todos os grupos socioeconómicos. Assim, na Rússia, o aprofundamento da desigualdade é acompanhado pela diminuição simultânea da pobreza", frisa.
Segundo os autores do estudo, os maiores beneficiados dos aumentos foram militares na frente do conflito russo-ucraniano e os membros das indústrias onde está em andamento o processo de substituição das importações.
O cientista político e líder do movimento de Solidariedade Civil, Gueorgui Fedorov, mostra-se céptico quanto à distribuição do aumento dos rendimentos.
"A crescente desigualdade gera descontentamento. Mesmo que ouçamos declarações sobre o aumento generalizado dos rendimentos, tenhamos em linha de conta a evolução dos preços nas lojas ou aumento dos custos da habitação e serviços (...). Torna-se claro que, na realidade, a maior parte da população está a ficar mais pobre e os ricos estão a ficar mais ricos", afirmou Fedorov ao Jornal Independente.
"Assistimos ao encarecimento frenético dos serviços de saúde", enquanto "os oligarcas e os altos funcionários, pessoas ligadas ao orçamento do Estado, aumentam continuamente a sua qualidade de vida", adianta.
Os militares que estão na frente, sublinha Fedorov, "gastam parte significativa do seu soldo em tratamentos ou no apoio às respectivas famílias" e "às vezes, canalizam os seus proventos para a compra de uniformes ou coisas necessárias na frente", pelo que "não se pode dizer que todos os militares empenhados na frente estão a enriquecer".
"E depois, as pessoas ficam irritadas não com os ganhos dos empreendedores militares, mas com o facto de os funcionários e os oligarcas continuarem a viver como se as dificuldades que os rodeiam não lhes dissessem respeito", afirmou o analista.
Alexandre Safonov, professor da Universidade Financeira da Federação Russa, observa que o estudo em questão reflete uma alteração temporária na estrutura salarial.
"Ainda não sabemos como a situação vai mudar, como, depois de alcançados os objetivos políticos, serão reestruturadas as indústrias orientadas para a frente de combate ou para o nosso complexo militar-industrial", adianta Safonov que salienta o como positivo o facto de o Estado, ao implementar o aumento do salário mínimo acima da taxa de inflação, a partir de 2020, forçar os empregadores a modificarem a sua atitude em relação aos salários.