Morreu Winnie Mandela

por RTP
Winnie Madikizela Mandela, ex-mulher do antigo Presidente da África do Sul, Nelson Mandela, agradece o apoio de milhares de membros do ANC, na 45ª Conferência Nacional do partido.

A ex-mulher do Presidente da África do Sul, Nelson Mandela, morreu esta segunda-feira num hospital de Joanesburgo. Tinha 81 anos.

De acordo com um comunicado emitido pela família, Winnie Mandela morreu pacificamente após "uma doença prolongada que a obrigou a estar hospitalizada várias vezes desde o início do ano".

"É com grande tristeza que informamos o público de que a senhora Winnie Madikizela-Mandela morreu no hospital de Milkpark de Joanesburgo, segunda-feira 2 de abril", anunciou por seu lado Victor Dlamini, seu porta-voz, em comunicado.

Winnie Mandela deixa um legado controverso. Chamada tanto a "Mãe da Nação" sul-africana como "Assaltante", a sua veia revolucionária e de defesa radical dos direitos dos negros nunca abateu e acabou por lhe trazer diversos problemas com a lei - que ela ignorava em nome dos seus ideais.
"A que luta"
Nascida a 26 de setembro de 1936, em Bizana, no leste da provincia do Cabo, Winnie tornou-se cedo uma ativista política, quando trabalhava no Serviço Social hospitalar.

"Comecei a perceber a pobreza abjeta na qual a maioria das pessoas era obrigada a viver, as condições terríveis criadas pelas desigualdades do sistema", disse ela depois.

Atraente e ativa - era também conhecida como Nomzamo, que significa "a que luta" - conheceu Nelson Mandela em 1957, aos 22 anos, numa paragem de autocarro no Soweto. Um romance turbulento desembocou em casamento um ano depois, mas a união foi sempre problemática.

Marido e mulher dedicavam todo o seu esforço à luta anti-apartheid. Winnie viria a descrever o casamento como uma "fachada" e o nascimento das duas filhas, Zindzi e Zenani, como "coincidência".

Quando, seis anos depois da cerimónia, Mandela foi detido e condenado a prisão perpétua, Winnie ficou livre para se dedicar àquele que viria a chamar o seu "verdadeiro amor", a luta contra o domínio branco.

"Eu era casada com o ANC. Foi o melhor casamento que alguma vez tive", chegou ela a afirmar.
Fraudes, raptos e assassínios
Nos últimos anos do apartheid, a brutalidade dos seus guarda-costas pessoais do Soweto, o "Clube de Futebol Mandela Unido", o MUFC, acabou com o seu legado de heroína.

Adepta de métodos implacáveis e até crueis, foi considerada em 1991 mandante do rapto e do assassínio do ativista Stompie Seipei, encontrado degolado aos 14 anos, perto da casa de Winne no Soweto e considerado um informador.

Condenada a seis anos de prisão, Winnie Mandela viu a sentença comutada em multa no recurso.O desejo do notoriedade de Winnie provocou diversos problemas com a direção do ANC pós-Mandela. Conhecida pelo estilo de vida luxuoso e estravagante, cultivou os hábitos de chegar tarde a comícios e eventos do partido e de procurar o confronto com os sucessores do ex-marido.

Enquanto Nelson Mandela abandonou o radicalismo em nome do consenso e da reconciliação, Winnie preferiu sempre a radicalização, acusando Nelson de ter "amolecido" na prisão.

O casal separou-se em 1992 e o repúdio culminou com a expulsão do executivo em 1995, após alegações de corrupção. O divórcio foi declarado um ano depois e Winnie adoptou então o apelido  Madikizela-Mandela.

Perante a Comissão da Verdade e da Reconciliação, constituída para revelar as atrocidades cometidas por ambos os lados durante aluta anti-apartheid, Madizikela-Mandela recusou mostrar remorsos pelos raptos e assassínios perpretados em seu nome.

Só depois de instada angustiadamente pelo presidente da Comissão, o arcebispo Desmond Tutu, é que Winnie adnitiu que "as coisas correram horrorosamente mal".

No relatório final da Comissão, ela surgiu como "politicamente e moralmente responsável pelas graves violações dos Direitos Humanos cometidas pelo MUFC".

Quatro anos depois, Winnie foi presente a tribunal acusada de fraude e de roubo relacionadas com um esquema complicado de empréstimos bancários.

"Algures parece que algo correu mal", considerou o magistrado Peet Johnson ao condena-la a cinco anos de prisão, pena depois comutada no apelo.  "Deveria ser um exemplo para todos nós", acrescentou Peel.

Winnie Madizikela-Mandela em maio de 2014 Foto: Reuters
"Não me arrependo"
Em 2001, uma câmara de televisão filmou Thabo Mbeki, o sucessor de Nelson Mandela, a empurrar Madizikela-Mandela e a fazer cair o chapéu dela, quando Winnie chegou uma hora atrasada a um comício comemorativo do levantamento de crianças e estudantes do Soweto contra o apartheid, em 1976.

Anos depois, o alvo foi o Presidente seguinte, Jabob Zuma. Winnie apadrinhou o líder renegado da juventude do ANC, Julius Malema, que abandonou o movimento para fundar o seu próprio partido de extrema-esquerda.

Madizikela-Mandela apoiou Malema nos seus apelos à apreensão das quintas e dos bancos propriedade de brancos, revelando em 2010 o seu desprezo pelos acordos estabelecidos pelo ex-marido com a minoria branca da África do Sul, quase duas décadas antes.

Nelson Mandela morreu em 2013 e, numa entrevista a um jornal britânico, Winnie aproveitou para o atacar.

"Mandela foi para a prisão e entrou como um jovem e ardente revolucionário. Mas veja o que saiu", disse. "Mandela decepcionou-nos. Concordou com um mau acordo para os negros".

Descreveu Tutu, considerado o pilar moral da África do Sul pós apartheid, como um "cretino" e os seus esforços de cura nacional como um "circo religioso".

"Disse-lhe umas quantas verdades. Disse-lhe que ele e outros cretinos que pensavam como ele estavam ali sentados graças apenas à nossa luta e a mim - por causa das coisas que eu e pessoas como eu tinham feito para ganhar a liberdade", afirmou.

"Não estou arrependida. Nunca me arrependerei", rematou. "Faria tudo o que fiz de novo, se tivesse de ser. Tudo".
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