ONU. Portugal e outros países europeus têm de acabar com a repressão dos protestos ambientais pacíficos

por Rachel Mestre Mesquita - RTP
Li-An Lim - Unsplash

A recomendação é do relator especial da ONU para os defensores do ambiente, Michel Forst, que divulgou esta quarta-feira um retrato da repressão e criminalização do protesto ambiental pacífico e da desobediência civil observadas pelo perito em alguns países europeus, incluindo Portugal, que são signatários da Convenção de Aarhus.

Com base na análise de provas recolhidas durante mais de um ano em Portugal, Espanha, Alemanha, Reino Unido, Dinamarca e Países Baixos, o relator da ONU afirmou que a repressão de que são alvo os ativistas ambientais pacíficos constitui uma grande ameaça à democracia e aos direitos humanos.

Todos os países que foram inspecionados são Partes da Convenção de Aarhus, que estabelece que os protestos ambientais pacíficos são um exercício legítimo do direito do público a participar na tomada de decisões e que as pessoas que os praticam devem ser protegidas.

No entanto, Michel Forst constatou, em toda a Europa, que a resposta aos protestos ambientais pacíficos foi de repressão em vez de permissão e proteção. Nomeadamente, em Portugal onde foram referidos vários exemplos de: abuso de autoridade durante os protestos, abusos sob custódia policial e assédio e perseguição de jornalistas na cobertura dos protestos.
"A emergência ambiental que enfrentamos coletivamente (...) não pode ser resolvida se aqueles que dão o alarme e exigem ação forem criminalizados por isso”, afirmou.

No documento de 22 páginas, lançado esta quarta-feira, o relator conta que em Portugal “manifestantes pacíficos que não estavam a resistir à detenção foram algemados”, que “manifestantes pacíficos foram presos e detidos pela polícia por “perturbação do trânsito”, apesar de o protesto em que participavam ter sido realizado legalmente e o seu itinerário ter sido previamente comunicado às autoridades, ou que “manifestantes detidos pela polícia por sujeitos a revistas corporais completas”.

Além disso, é referido o caso de um “agente da polícia do sexo masculino que obrigou mulheres ativistas a despirem-se completamente e a agacharem-se”, tendo recebido apenas uma advertência depois de ter sido apresentada queixa contra ele.

Portugal aparece ainda mencionado no assédio e perseguição de jornalistas durante os protestos por parte das autoridades, segundo o documento jornalistas foram “fisicamente afastados do local” onde decorriam protestos ambientais e ações de desobediência civil.

E à semelhança do que aconteceu em países como a Alemanha, Polónia e Espanha, também em Portugal foram relatados abusos contra manifestantes ambientais durante a sua detenção pela polícia, nomeadamente devido às detenções prolongadas para controlos de autoridade que excedem muitas vezes a duração legalmente autorizada. Cerca de nove horas de detenção para “simples controlos de identidade” em Portugal, 30 na Polónia e sete dias na Alemanha.

O documento da ONU explica que “em Portugal, até 2023, os manifestantes pacíficos e, em especial, os estudantes que participavam em concentrações climáticas nas suas escolas, quase nunca eram multados", no entanto desde do ano passado, que são “quase sistematicamente detidos, acusados de "desrespeito de uma ordem policial" e multados" se se recusarem a parar de protestar.
É essencial ouvir o que têm para dizer Michel Forst defende que “a única resposta legítima ao ativismo ambiental pacífico e à desobediência civil é que as autoridades, os meios de comunicação social e o público compreendam como é essencial que todos nós ouçamos o que os defensores do ambiente têm para dizer”

Mais protestos no futuro
Em vez de os países europeus adotarem medidas contra manifestantes pacíficos - contrárias às obrigações internacionais de liberdade de expressão e de reunião pacífica e associação - deveriam estar a abordar as causas profundas da mobilização ambiental e tomar medidas urgentes para resolver a "tripla crise ambiental da poluição, da perda de biodiversidade e das alterações climáticas", conclui o relatório.

Especificamente para tentar reduzir as emissões e cumprir o Acordo de Paris, limitando o aquecimento global a 1,5ºC, e agir para restaurar 30 por cento de todos os ecossistemas degradados até 2030, assim como trabalhar para reduzir substancialmente as mortes e doenças causadas pela poluição atmosférica.

Michel Forst constata que "até à data, os governos continuam a tomar decisões que contradizem diretamente as recomendações claras e urgentes dos cientistas" e explica que este fracasso dos Estados europeus em agir com urgência, e em conformidade com os compromissos climáticos, levará a mais protestos de ação direta.


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