Ordem Bektashi. Albânia tem planos para apoiar novo Estado muçulmano em Tirana

por Carla Quirino - RTP
Centro Mundial Bektashi em Tirana onde se localiza a sede internacional da Ordem Sufi Bektashi Artur Widak / NurPhoto via AFP

Poder-se-á chamar Estado Soberano da Ordem Bektashi. E à semelhança do Estado do Vaticano, em Itália, este novo país islâmico pretende singrar em território albanês com o apoio do próprio Governo de Tirana. O primeiro-ministro, Edi Rama, afirma que o novo micro-Estado visa promover uma versão tolerante do Islão, pelo que se deve "cuidar deste tesouro".

Sem prazos ou datas concretos, o Estado Soberano da Ordem Bektashi ocupará cerca de 11 hectares a leste da capital albanesa, Tirana, caso a proposta apresentada pela comunidade Bektashi venha a ser uma realidade.

O pequeno enclave pretende abrigar a sede política dos muçulmanos sufi, conhecidos por bektashis. Este grupo forma a quarta maior comunidade religiosa da Albânia, atrás dos muçulmanos sunitas, dos cristãos ortodoxos e dos católicos.

Terá a sua própria administração, passaportes e fronteiras, destronando o Vaticano (que tem 44 hectares dentro de Roma) da categoria do mais pequeno Estado do mundo.De acordo com o primeiro-ministro da Albânia, Edi Rama, este futuro Estado seguirá as práticas da Ordem Bektashi - uma ordem sufi xiita fundada no século XIII na Turquia.

O novo Estado autorizará o consumo de álcool, permitirá que as mulheres vistam o que quiserem e não imporá regras de estilo de vida, refletindo as práticas tolerantes da Ordem Bektashi. 

Rama defende que o objetivo do novo Estado é promover a versão tolerante do Islão através de "um centro de moderação, tolerância e coexistência pacífica". Sublinha ainda que "devemos cuidar deste tesouro, que é a tolerância religiosa e que nunca devemos tomá-lo como garantido".

O anúncio desta proposta do primeiro-ministro Rama remonta a fim de setembro do ano passado durante a intervenção na 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas, durante a qual o mandatário deixou claro que está disposto a ceder parte do território para o grupo muçulmano minoritário.
"Deus não proíbe nada e, por isso, deu-nos mentes"

O clérigo Baba Mondi (Edmond Brahimaj), de 65 anos, é o atual líder espiritual da ordem e é conhecido pelos seguidores pelo título oficial, Sua Santidade Haji Dede Baba.

Mondi deverá ser o líder do Estado Soberano da Ordem Bektashi. Diz que as decisões serão tomadas com "amor e bondade". Acrescenta que "ser um bektashi significa ser humano. Construímos a nossa comunidade com base nos princípios da paz, do amor e do respeito mútuo".

"Deus não proíbe nada e, por isso, deu-nos mentes", declarou o clérigo. Mondi foi membro do exército albanês durante o regime comunista no país.

O futuro país muçulmano apresenta-se bem diferente no que toca a normas islâmicas. Não proibirá a venda e o consumo de álcool, não haverá segregação de género, nem códigos de vestuário. Ou seja, o hijab (o véu islâmico) e a burca não serão de uso obrigatório para as mulheres.

"Como outros grupos sufis, os bektashis acreditam que a mensagem divina não foi bem compreendida e partem da ideia de que se abster de beber álcool, jejuar ou peregrinar a Meca não faz com que uma pessoa seja um seguidor melhor", explica o professor de Estudos Árabes e Islâmicos, Ignacio Gutiérrez de Terán, da Universidade Autónoma de Madri, em Espanha.

Durante as celebrações e rituais, os bektashis usam a música e a dança. E as mesquitas não têm minaretes (torres). Os bektashis respeitam o grande imã Ali, genro de Maomé.

Esta ordem muçulmana surgiu no século XIII, na Anatólia (atual Turquia). A política do fundador da Turquia moderna, Kemal Ataturk (1881-1938), forçou os bektashis a transferirem-se para os Bálcãs.


Vista do pórtico de entrada do Centro Mundial Bektashi em Tirana, sede internacional da Ordem Sufi Bektashi | Artur Widak - NurPhoto via AFP
Opiniões não consensuais e outros desafios

Uma equipa de peritos está a trabalhar na legislação que definerá o estatuto de soberania do novo Estado dentro da Albânia.

Porém, a proposta terá de ser aprovada pelo Parlamento albanês, com maioria qualificada de 94 dos seus 140 deputados. No entanto, o Partido Socialista de Rama detém apenas 75 cadeiras e a oposição conservadora já se manifestou, reprovando a ideia.

"Queridos amigos bektashis, tenham cuidado", afirmou o ex-primeiro-ministro Sali Berisha, líder do Partido Democrático, de oposição, citado na BBC. "Edi Rama está apenas a usar-vos covardemente para distrair a opinião pública das suas relações com o crime e para ocultar o despovoamento da Albânia".

Também o ex-deputado albanês Romeo Gurakuqi, professor da London School of Economics, afirma que "a iniciativa é inconstitucional, porque concede soberania territorial do país e representa uma ameaça direta à sociedade secular". E alerta ainda que "fortalecer uma seita religiosa dentro de uma sociedade multicultural não incentiva a tolerância, nem a coexistência, mas sim privilegia uma comunidade em relação às demais".

Já Baba Mondi manifesta a esperança de que os Estados Unidos e outras potências ocidentais reconheçam a soberania do seu Estado. "Merecemos um Estado", diz Mondi, citado no New York Times: "Somos os únicos no mundo que dizem a verdade sobre o Islão" e "não o misturamos com a política".Segundo os censos de 2023, cerca de 50 por cento dos 2,4 milhões de habitantes da Albânia são muçulmanos. A maioria dos muçulmanos albaneses são sunitas e cerca de dez por cento pertencem à comunidade bektashi. A população restante é composta principalmente por católicos e cristãos ortodoxos.

O Governo de Tirana debate-se ainda com outros desafios. Desde outubro de 2024, o país passou à fase de elaborar e implantar políticas para se preparar para a adesão à União Europeia, até 2030, sendo um calendário reconhecido pelo primeiro-ministro como "muito ambicioso".

A Albânia solicitou a entrada na UE em 2009 e é considerada candidata oficial para ingressar no bloco europeu desde 2014. É um dos nove Estados candidatos à UE, juntamente com a Bósnia e Herzegovina, a Geórgia, a Moldávia, o Montenegro, a Macedónia do Norte, a Sérvia, a Turquia e a Ucrânia.

Reportagem Antena 1: No país dos Bektashis

Para saber mais sobre esta comunidade e o futuro Estado mais pequeno do mundo oiça a reportagem da Antena 1 “No país dos Bektashis”O jornalista Mário Rui Cardoso conversou com Baba Mondi e alguns residentes que revelam rituais ancestrais e aspirações modernas de uma comunidade que desafia os estereótipos sobre o Islão.
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