Human Rights Watch quer príncipe saudita investigado na Argentina

por RTP
Manifestante turco, mascarado de príncipe saudita com as mãos sujas de sangue Osman Orsal, Reuters

A organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch apresentou queixa contra o príncipe herdeiro da Arábia Saudita na justiça argentina. A intenção é investigar Mohammed bin Salman pela tortura de civis e “possível cumplicidade” na morte do jornalista Jamal Khashoggi, bem como por crimes contra a humanidade cometidos pela coligação liderada pela Arábia Saudita no Iémen.

Tendo em conta que a Constituição da Argentina reconhece a competência universal para crimes de guerra e tortura e que está confirmada a presença do príncipe herdeiro saudita na abertura da cimeira do G20 em Buenos Aires, no próximo fim-de-semana, a Human Rights Watch enviou uma queixa contra Mohammed bin Salman, também conhecido como MbS, para a procuradoria argentina.

“Enviámos a informação para os procuradores argentinos com a esperança de investigar a cumplicidade e responsabilidade de MbS por possíveis crimes de guerra no Iémen, bem como a tortura de civis, incluindo Jamal Khashoggi", confirmou a diretora da organização para o Médio Oriente e Norte de África Sarah Leah Whitson à Reuters.

A Constituição argentina tem uma cláusula que prevê que as autoridades judiciais podem investigar e processar crimes de guerra e tortura independentemente do lugar onde foram cometidos.

Whitson especificou que a acusação foi enviada para o juiz federal Ariel Lijo, mas nem o gabinete do juiz nem a procuradoria-geral aceitaram prestar declarações às agências internacionais.

A imprensa argentina avança que será o procurador-geral Ramiro Gonzalez a decidir se pede a abertura de instrução.

No entanto, os meios de comunicação social argentinos, que citam fontes judiciais, dizem ser muito improvável que as autoridades argentinas avancem no sentido de uma acusação contra o príncipe herdeiro, que de facto é quem lidera a Arábia Saudita.

O assassinato do jornalista saudita, que era também um crítico do príncipe herdeiro, no interior da embaixada em Istambul, abalou a imagem da Arábia Saudita no mundo.

O recurso à competência universal dos países foi já utilizado noutras situações, como aquando da detenção do antigo ditador chileno Augusto Pinochet na sequência de uma queixa do juiz espanhol Baltasar Garzón em 1988.
Ação saudita no Iémen sob pressão
A pressão internacional para que a Arábia Saudita ponha termo à campanha militar que lidera no Iémen também tem aumentado. A ação militar foi ordenada pelo príncipe herdeiro e está a provocar uma grave crise humanitária.

Desde março de 2015, a coligação saudita e dos Emiratos Árabes Unidos realizou vários ataques aéreos indiscriminados, vitimando civis no Iémen. Destruíram casas, escolas, hospitais, mercados e mesquitas.

A aliança também impôs um bloqueio naval e aéreo ao Iémen, o que provocou graves restrições no fornecimento de alimentos, combustíveis e medicamentos à população civil.

Cerca de 14 milhões de pessoas, metade da população do Iémen, está a passar fome, revela a Organização das Nações Unidas.

Os Estados Unidos, bem como outros países ocidentais, pediram o fim dos combates para tentar lidar com a crescente crise humanitária.
Encontro possível com Erdogan
O herdeiro do trono do maior país exportador de petróleo do mundo poderá encontrar-se com um dos maiores críticos a propósito do assassinato que ocorreu na embaixada saudita em Istambul.

De acordo com o ministro dos Negócios Estrangeiros turco, o príncipe saudita solicitou um encontro com o presidente Recep Tayyip Erdogan à margem do G20.

"Ele perguntou a Erdogan ao telefone se poderiam reunir-se em Buenos Aires. A resposta de Erdogan foi: “Vamos ver'", relatou o ministro Mevut Cavusoglu ao jornal alemão Sueddeutsche Zeitung.

“De momento não há motivo para não reunir com o príncipe herdeiro", justificou o ministro.

As relações turco-sauditas ficaram muito tensas após o assassinato do jornalista em Istambul. Depois de diversas explicações contraditórias, Riade admitiu que Khashoggi foi morto e o corpo desmembrado após tentativas fracassadas para tentar persuadi-lo a regressar à Arábia Saudita.

As autoridades sauditas rejeitam qualquer implicação e responsabilidade do príncipe MbS no homicídio. No entanto, o ministro turco questiona esta tese, contrapondo que se tratou “de um assassinato premeditado”.

Segundo as autoridades turcas, o jornalista foi morto no consulado saudita por 15 agentes que se deslocaram de propósito a Istambul, entre os quais um membro da equipa de segurança do príncipe.

A Turquia desde cedo fez saber que tem gravações do momento do homicídio.
Périplo pelos países árabes
Mohammed bin Salman está a meio da primeira viagem internacional desde que rebentou o escândalo da morte de Jamal Kashoggi, que vivia nos Estados Unidos desde o ano passado e era colaborador do jornal The Washington Post.

No périplo pelos países árabes, que MbS está a fazer por “instrução” do pai, o Rei Salman, o príncipe já se deslocou aos Emiratos Árabes Unidos e ao Bahrein. Está neste momento no Egito, onde foi recebido pelo Presidente Abdel Fattah al-Sissi, com vista ao “reforço das relações bilaterais e a abordar questões regionais de interesse comum”.

Em março de 2018, aquando da última visita do príncipe saudita ao Egito, Riade e Cairo acordaram um fundo mútuo de 16 mil milhões de dólares.

No poder desde 2014, Sissi fortaleceu as relações entre o Cairo e os países do Golfo, particularmente com a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos. Riade e Abu Dhabi apoiaram financeiramente o Cairo após a demissão do Presidente Mohamed Morsi, no verão de 2013.

O príncipe deve ainda rumar à Tunísia, onde sindicatos e associações se manifestaram contra a visita. Esta será primeira visita a Túnis de um membro da família real saudita desde a revolução de 2011, que derrubou o ditador Ben Ali, depois refugiado na Arábia Saudita.

C/ agências
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