"O desporto escolar tem de ser revalorizado dentro da escola" - Carlos Neto

por RTP
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O professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana Carlos Neto defende à Lusa que "o desporto escolar tem de ser revalorizado dentro da escola", para o relacionar com os clubes, e alçar a importância do "corpo em movimento".

Essa revalorização deve acontecer “da creche ao secundário”, defende o antigo presidente da Faculdade de Motricidade Humana (FMH), e vir associada a uma nova importância “das capacidades motoras e atividades físicas na escola”, levando também a um projeto de desporto escolar “mais consistente”, com mais financiamento e recursos.

Carlos Neto falou à Lusa a propósito do Dia Europeu do Desporto na Escola, que hoje se assinala, no âmbito da Semana Europeia do Desporto, pouco depois do arranque do primeiro ano letivo do Programa Estratégico do Desporto Escolar 2021-2025.

Essas “coisas básicas” permitem que “depois seja possível ter condições para fazer desporto de formação e desporto de alto nível”, e pedem uma relação entre clubes, escola e família.

“Temos que criar aqui um modelo que consiga fazer esta rede integrada para a promoção da educação física e do desporto. [...] No Japão, as crianças têm aula de educação física todos os dias, cinco horas semanais; em Portugal, nem as previstas têm” no primeiro ciclo, devido à dificuldade que, diz, muitos professores em monodocência têm em lecionar ou em encontrar quem os ajude.

Esta falta de investimento, também de financiamento e quadros de recursos humanos, leva a maiores dificuldades no segundo ciclo, em que “a iniciação desportiva como deve ser” acontece.

Com isto, “o abandono desportivo no meio escolar e dos clubes é enorme”, sobretudo “quando passam aquela fase mais de refinamento e aperfeiçoamento da sua condição desportiva”.

“Há uma capacidade muito reduzida de captar talentos. Para além disso, a especialização precoce tem sido mal interpretada. Muitos revelam-se mais tarde, há inúmeros exemplos de jovens que não foram selecionados nos clubes como praticantes desportivos porque os critérios de seleção não estavam aperfeiçoados. Há atletas olímpicos, de alto nível de rendimento, que só se manifestaram muito mais tarde”, alerta.

Antes, as crianças “têm de passar por uma multiplicidade de experiências lúdicas e desportivas, para selecionar aquelas” em que são mais capazes, e, por outro lado, falta um sistema mais atento “aos motivos pelos quais as crianças abandonam”.

Isso vai de “falta de tempo” a falta de recursos económicos, falta de apoios, também a nível de transportes, mas também pela crónica “disfunção” na valorização de treinadores de formação.

“São salários miseráveis, os dos treinadores dos primeiros níveis de formação, e depois é preciso melhorar a formação ao nível das formações, rever esse modelo de formação”, critica.

Nestas idades, até aos seis anos, “há muitas habilidades” que ou são apreendidas ou podem perder-se. “Se não são apreendidas aí, dificilmente se consegue ser atleta de alto nível, como músico ou ator de teatro [com outras]”, lamenta.

Na dinâmica entre clubes, escola e família, é preciso apoio em toda a linha, para que possa prosseguir os estudos, ter tempo lúdico e a família seja reforçada, até porque um atleta de alta competição “precisa de muitas horas de treino, muito trabalho” até chegar ao sucesso.

“Estudos científicos dizem-nos que os atletas de grande êxito são os que tiveram infâncias altamente preenchidas de experiências. Os campeões não se fazem em laboratório nem à pressa”, completa.

Para lá do rendimento desportivo, avisa, o desporto tem de ser visto como “uma alavanca essencial na formação de um povo saudável e um cidadão saudável”.

“Isso é importante para a economia e o futuro da sociedade, que é imprevisível e incerta. A atividade física tem uma contribuição importantíssima para a mudança vertiginosa que a sociedade está a viver”, comenta.

Esta atividade física “não pode ser esquecida”, porque ajuda a clarear o pensamento e é importante, do nascimento até à terceira idade, e a base da existência.

“O corpo em movimento é o arquiteto do cérebro, das emoções e dos afetos”, remata.
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