Associação dos Juízes diz não ser salutar mudança legislativa constante no combate à corrupção
O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) afirmou hoje não ser salutar alterações legislativas constantes no combate à corrupção sem avaliação das medidas existentes e defendeu a inclusão da sua prevenção nos currículos escolares.
"Não é salutar a mudança legislativa constante sem prévia avaliação do impacto das medidas existentes", disse Nuno Matos, nas comemorações do Dia Internacional contra a Corrupção, na Marinha Grande (Leiria).
Ao abordar o tema "Transparência e combate à corrupção: uma questão de cidadania", Nuno Matos considerou que uma primeira dificuldade no combate à corrupção "reside na falta de eficácia na aplicação prática das soluções legislativas".
A este propósito, exemplificou a criação do Mecanismo Nacional Anticorrupção, para assinalar que são públicos os seus bloqueios de funcionamento.
Uma segunda dificuldade está "na falta de funcionamento de mecanismo de recolha e sistematização de informação estatística e qualitativa", para "ajudar na planificação das reformas e na avaliação dos seus impactos", continuou.
Já no âmbito das propostas para superação das dificuldades, o juiz desembargador no Tribunal da Relação de Lisboa defendeu ser essencial para a prevenção da corrupção a criação de projetos educativos de "promoção da cultura de integridade e transparência".
"A corrupção instala-se e a cultura da corrupção aprende-se, pelo que é fundamental a criação e funcionamento de programas sérios e sólidos de cidadania, nomeadamente, ao nível dos currículos escolares, que apostem na prevenção da corrupção e promovam uma cultura de integridade e transparência", adiantou Nuno Matos.
Por outro lado, a ASJP defende "a regulamentação do `lobbying`, nos termos propostos no Programa do Governo", e, ao nível da repressão, preconiza, por exemplo, a "regulamentação adequada do combate ao enriquecimento incongruente com o património conhecido e lícito, que pode passar pela criminalização do enriquecimento ilícito, em respeito pelas normas e princípios constitucionais".
O presidente da ASJP frisou, contudo, que "o efetivo combate à corrupção passa pelo reforço dos recursos humanos, materiais, organizativos e tecnológicos para a investigação e eventual julgamento dos crimes de corrupção e outros crimes cometidos no exercício de cargos públicos".
No discurso, o dirigente da ASJP declarou estar de acordo com medidas da Agenda Anticorrupção apresentadas pelo Governo, desejando que sejam implementadas, mas questionou se o poder político está disposto a investir financeiramente na sua concretização.
Nuno Matos reconheceu que o "regime português vigente em matéria de combate à corrupção permite identificar algumas fragilidades de natureza substantiva, mas sobretudo permite identificar várias fragilidades a nível organizativo e executivo, sobretudo no âmbito da prevenção da corrupção".
Considerando que permanece o fosso entre a `law in books` e a `law em action`, "com a falta de assunção do combate à corrupção como prioridade na ação", o dirigente sustentou que o modelo assente na intervenção estritamente legislativa - "havendo um problema, legisla-se e o problema fica resolvido" - é um modelo falhado, nomeadamente em matéria de corrupção.
Para o presidente da ASJP, "a relevância da questão da transparência e do combate à corrupção, quer no plano da perceção, quer no plano do seu real impacto, merece o empenho de todos aqueles que pretendem uma sociedade livre, justa e solidária".