Sporting quer cerveja nos estádios para aumentar receita e melhorar segurança

por Lusa
A alteração à lei permitiria também “melhorar a experiência em dia de jogo", diz o administrador do Sporting, Miguel Cal. Peter Cziborra - Reuters

O administrador do Sporting Miguel Cal disse hoje à Lusa que o clube quer que seja permitida a venda de bebidas alcoólicas nos estádios para aumentar receitas, melhorar a “experiência em dia de jogo” e baixar riscos de segurança.

Segundo Miguel Cal, o assunto está a ser discutido em grupos de trabalho na Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) e uma proposta de “alteração à lei atual, para que num futuro próximo seja permitida a venda de bebidas fermentadas de baixo teor alcoólico nos recintos desportivos em Portugal”, está “em apreciação pelo parlamento”.

O objetivo dos ‘leões’ passa por aproximar Portugal das “melhores práticas internacionais”, tendo o administrador indicado quatro pontos fundamentais, um deles relacionado com a questão do patrocínio, uma vez que 14 dos 18 clubes da I Liga são patrocinados por uma marca de cerveja, enquanto um outro, o Tondela, é apoiado por uma marca de vinho.
O secretário de Estado da Juventude e Desporto, João Paulo Rebelo manifestou-se hoje "sensível a alguns argumentos” favoráveis à venda de bebidas alcoólicas nos estádios, realçando que a pretensão dos clubes de futebol é uma questão a debater na Assembleia da República.
Em janeiro, a Super Bock foi anunciada como a cerveja oficial das competições profissionais de futebol, o que configura o segundo ponto para o clube lisboeta, que pretende que o campeonato siga as práticas de Inglaterra, Itália, Alemanha, Holanda ou Bélgica, países em que a venda de bebidas de baixo teor alcoólico nos recintos desportivos é permitida.

A alteração por parte da UEFA do regulamento de segurança para as competições europeias, realizada em junho de 2018, já permite a venda de álcool nos jogos da Liga dos Campeões e da Liga Europa, desde que seja permitida pela lei de cada país.

Em janeiro, a Super Bock foi anunciada como a cerveja oficial das competições profissionais de futebol.

Nessa linha, Cal apontou o exemplo do Chelsea, que obteve receitas mais elevadas após a autorização de venda de bebidas alcoólicas nos jogos europeus, permitindo um “aumento de receitas dos clubes”, porque as pessoas “gastam dinheiro dentro dos estádios”, mas também acabar “com a discriminação entre adeptos” da zona VIP, onde o consumo é permitido.
O jurista Alexandre Mestre considerou hoje uma mudança de paradigma a venda cerveja nos estádios e não vê qualquer inconveniente, enquanto cidadão, na pretensão dos clubes de futebol  procurarem inverter a legislação em vigor. O jurista diz que do ponto de vista jurídico inverter esta situação pode ser uma evolução legislativa.
A alteração à lei permitiria também “melhorar a experiência em dia de jogo, com a entrada das pessoas a ser mais espaçada, evitando as tradicionais filas antes do apito inicial” e a acumulação de pessoas que estão em torno do estádio.

Questionado sobre a possibilidade de a medida acarretar maiores riscos de insegurança dentro dos recintos, o administrador defendeu que se passa “precisamente o contrário”, referindo estudos que mostram que a entrada ordeira nos estádios, em vez de acontecer em cima da hora do jogo, permite maior rigor na revista de segurança.

Por outro lado, o controlo do teor máximo permitido dentro dos estádios contrasta com o que os adeptos podem beber nas imediações dos recintos, sendo que outro fator de insegurança é a possibilidade de confrontos pela concentração de fãs “fora do ‘anel de segurança’ do estádio”.

Miguel Cal enfatizou que a pretensão não é só dos ‘verdes e brancos’ e que está mesmo a ser liderada “pela própria Liga”, lembrando um texto da diretora executiva, Helena Pires, que aborda o tema.

O assunto tem sido discutido entre “todas as sociedades desportivas”, em vários grupos de trabalho, e o administrador aproveitou para lembrar a luta contra a “desigualdade de tratamento fiscal entre o desporto e outras formas de cultura e tempos livres”, uma vez que o futebol é taxado a 23% de IVA e outros espetáculos a 6%.

Secretário de Estado da Juventude e Desporto “sensível a alguns argumentos” sobre venda de cerveja nos estádios

João Paulo Rebelo manifestou-se hoje "sensível a alguns argumentos” favoráveis à venda de bebidas alcoólicas nos estádios, realçando que a pretensão dos clubes de futebol é uma questão a debater na Assembleia da República.

"Sou sensível a alguns dos argumentos apresentados pela Liga e alguns clubes e também sei da iniciativa que o Sporting está a tomar. É uma lei da Assembleia da República (AR) e que só mesmo a AR pode alterar. Não há nada que se possa fazer através de uma qualquer iniciativa governamental, afirmou João Paulo Rebelo, em declarações à agência Lusa.

Restrição de alcool nos estádios é uma obrigação legal que só a Assembleia da República pode alterar.

Apesar de sensível à questão, o secretário de Estado lembrou que "o próprio Governo apresentou uma proposta de alteração à lei 39 de 2009 [que regula o combate à violência, racismo, xenofobia e intolerância nos espetáculos desportivos], que é justamente o enquadramento jurídico em que se encontram as possibilidades, ou não, da venda de bebidas alcoólicas" em recintos desportivos.

"O Governo conhece a reivindicação dos clubes que nos é regularmente apresentada pela Liga de clubes, mas a proposta que apresentamos de alteração à Lei que está, neste momento, em discussão na AR não toca na questão de venda de bebidas alcoólicas, e, portanto, diria que o Governo não tem formalmente uma posição diferente da que hoje está consagrada na lei", frisou.

Estando a proposta de alteração à lei em discussão na AR, João Paulo Rebelo disse desconhecer, contudo, as probabilidades de a mesma acontecer e os clubes verem as suas pretensões concretizadas, até porque "o Governo não considerou uma questão central" os argumentos da Liga de clubes, que se prendem com aumento de receita e segurança.

"Se achasse que essa era uma matéria prioritária, o Governo, com certeza, nas propostas de alteração que fez, teria enquadrado também essa questão. Não o fizemos, e por aqui se depreende que para o Governo não é uma matéria central”, referiu.

O governante reconheceu que o assunto vai ser controverso, apelando, por isso, a que seja alvo de reflexão, sobretudo no parlamento.

“Sou sensível a alguns argumentos e não acho que o propósito seja descabido. Mas é uma matéria que deve ser refletida, bem pensada e acho que a AR é o fórum ideal, porque é lá que estão as mais diversas sensibilidades políticas para se dirimirem argumentos e ter essa discussão, que, de alguma forma, levanta sempre uma certa controvérsia", concluiu.

Alexandre Mestre não vê inconvenientes na venda de álcool nos estádios
O jurista Alexandre Mestre considerou hoje uma mudança de paradigma a venda cerveja nos estádios e não vê qualquer inconveniente na pretensão dos clubes de futebol, que procuram inverter a legislação em vigor.

“Sou favorável enquanto cidadão, e do ponto de vista jurídico é o inverter de uma evolução legislativa, já que em 1980, quando houve a primeira regulamentação sobre a Violência Associada ao Desporto, a venda e consumo de bebidas alcoólicas nos recintos desportivos foi proibida”, referiu o antigo secretário de Estado do Desporto e Juventude.

Salvo raras exceções, previstas na legislação em vigor, como é o caso de consumo de bebidas alcoólicas nos camarotes, nos recintos desportivos só é permitido consumir bebidas sem álcool.

Interessados em vender bebidas de baixo teor alcoólico, como cerveja e cidra (inferior a cinco graus), já a partir da próxima época, os clubes querem ainda replicar as práticas da UEFA, cujo comité executivo aprovou, em maio de 2018, a liberalização da venda de bebidas alcoólicas nos estádios da Liga dos Campeões e Liga Europa.

A mudança nos regulamentos da UEFA, decidida em 2018, é válida para as duas competições e, em conformidade com a legislação de cada país e o organizador de cada jogo, "deve, ao definir a política de venda e distribuição, ter em conta o perfil dos adeptos que vão marcar presença e os riscos associados".

“Estou do lado daqueles que acham que terminada essa proibição no interior dos recintos desportivos, as pessoas entram mais cedo e até vão consumir menos lá dentro do que consumiriam lá fora [antes do início dos jogos]”, salientou Alexandre Mestre.

O jurista exemplificou com o caso do Mundial2014, no Brasil, em que foi necessário alterar a legislação estadual brasileira para permitir a venda de cerveja, bem como a sua publicidade, e em que “não há registo de que tal tenha potenciado a violência associada ao desporto”.

“É uma mudança. Desde 1980 que em Portugal se proíbe a introdução, a venda e o consumo de bebidas alcoólicas nos recintos desportivos, com a obediência das federações e ligas respetivas, e caso se reverta esta situação é uma mudança de paradigma”, disse.

A concretização do desejo dos clubes das duas ligas profissionais de futebol implicará uma alteração à lei da Violência Associada ao Desporto, que em 2009 introduziu a possibilidade de em algumas zonas dos recintos desportivos, nomeadamente nos camarotes, ser permitido o consumo de bebidas alcoólicas.

“Face à redação atual no sentido da proibição e de haver uma exceção, penso que terá que haver uma alteração, mas agora até estamos no decurso do processo de revisão da lei da Violência Associada ao Deporto e poderia ser uma boa altura para aproveitar essa oportunidade”, disse Alexandre Mestre.

A alteração à lei, que, de acordo com Alexandre Mestre, deverá ser sempre bem sustentada, e com estudos que atestem o benefício da mudança, levará à alteração do regulamento de competições da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

“Nestas coisas de legislação, quando se muda, tem de haver um suporte para o efeito. Como tem sido dito pelas entidades que apoiam a alteração, há estudos que defendem que [a venda de bebidas nos recintos] não aumenta, mas reduz, a possibilidade de existirem fenómenos de violência no perímetro de segurança”, disse.

De acordo com Alexandre Mestre, as pessoas concentram-se e afluem com mais antecedência, para socializarem dentro do recinto, em vez de ficarem a beber nas imediações até à hora do jogo, podendo beneficiar a realização da revista policial na entrada.
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