"Washington Post" publica testamento político de Khashoggi

por Raquel Ramalho Lopes - RTP
Reuters

O jornal Washington Post publica hoje a última coluna do jornalista saudita, em que Khashoggi apela à liberdade de imprensa no mundo árabe. A polícia turca esteve na residência do cônsul saudita em Istambul e voltou ao consulado do reino na Turquia, no contexto das investigações ao desaparecimento do jornalista Jamal Khashoggi. O Presidente dos Estados Unidos, que considera a Arábia Saudita um aliado importante, disse que pediu à Turquia os registos áudio e vídeo relacionados com o desaparecimento do jornalista.

A equipa de investigadores abandonou a residência do cônsul à 01:30 em Istambul (03:30 em Lisboa), transportando caixas de cartão e sacos. Cerca de 15 pessoas tinham entrado pelas 16h40 locais (14:40 em Portugal) na habitação, tendo examinado o jardim e o telhado do edifício.

Também foram analisados os veículos consulares, a garagem e um drone sobrevoou a área duas vezes.

Parte da equipa dirigiu-se então às instalações do consulado, a 200 metros da residência, onde ficaram até às 05:00 (menos duas horas em Portugal). Os investigadores saíram sem prestar declarações à imprensa.

A autorização de Riade para que pudessem ser efetuadas buscas na residência do diplomata só foi emitida na noite de terça-feira, no mesmo dia em que o cônsul Mohamed al-Otaibi abandonou a Turquia com destino à Arábia Saudita. O motivo do adiamento estaria relacionado com a presença da família do cônsul na residência.

É a segunda vez que a polícia turca visita as instalações sauditas no âmbito da investigação ao desaparecimento e alegado assassinato do jornalista Jamal Khashoggi. Na passada segunda-feira, a equipa de investigadores esteve no consulado durante nove horas.
O que tem publicado a imprensa internacional
As imagens captadas pelas câmaras de segurança mostram que o jornalista entrou no consulado, no passado dia 02 de outubro. Khashoggi foi ao consulado tratar de documentos para casar com uma cidadã turca. Nunca foi visto a sair do edifício, nem foi divulgada a existência de imagens que provem que tenha abandonado o local.

Ainda com base as imagens das câmaras de vigilância, uma coluna de seis veículos saiu do consulado em direção à residência do cônsul no mesmo dia em que o jornalista desapareceu.

A cadeia norte-americana CNN noticiou que o jornalista terá sido morto no interior do consulado, tendo o cadáver sido desmembrado e retirado do edifício. O jornal New York Times apurou que cinco dos 15 suspeitos do assassinato, que tinham chegado a Istambul horas antes do desaparecimento do jornalista saudita, são próximos do príncipe herdeiro, de quem o jornalista era crítico.

A imprensa turca acrescenta que o cônsul que Mohamed al-Otaibi estaria no consulado quando aconteceu o alegado assassinato. Citando registos áudio, a imprensa dá conta que o cônsul terá tentado que o interrogatório se fizesse fora do edifício.

As autoridades sauditas sempre desmentiram as acusações de responsabilidade no alegado assassinato, bem como o eventual envolvimento do príncipe herdeiro Mohamed bin Salman.

O jornalista saudita Jamal Khashoggi, de 60 anos, residia nos Estados Unidos desde o ano passado, por recear represálias de Riade às críticas que fazia às políticas do príncipe Mohamed bin Salman.
"Do que o mundo árabe precisa é de expressão livre"
Khashoggi era colaborador do Washington Post, que hoje publica o último texto do jornalista, no qual é feita a defesa da importância da liberdade de imprensa no Médio Oriente.

“O Post adiou a sua publicação porque tínhamos a esperança que regressasse para que pudéssemos editá-la juntos. Agora tenho de aceitar: isso não vai acontecer”, escreve Karen Attiah, editora de Opiniões Globais do jornal norte-americano.

"Este editorial retrata perfeitamente o seu compromisso e a sua paixão pela liberdade no mundo árabe. Uma liberdade pela qual aparentemente deu a sua vida”.

Enviado pelo tradutor e assistente de Jamal Khashoggi no dia seguinte ao desaparecimento do jornalista, o texto começa por referir que apenas a Tunísia é o único país do mundo árabe em que existe liberdade de imprensa. Na Jordânia, Marrocos e Kuwait, a imprensa é “parcialmente livre”.

“Como resultado, os árabes que vivem nestes países (onde não há liberdade de imprensa) estão desinformados ou mal informados. São incapazes de abordar adequadamente, muito menos debater publicamente, questões que afetam a região e a sua vida quotidiana. Uma narrativa estatal domina a psique pública e, embora muitos não acreditem nisso, a grande maioria da população é vítima dessa falsa narrativa. Infelizmente, é improvável que esta situação mude”, escreveu Khashoggi.

Depois de citar o caso da pena de prisão para um jornalista por críticas ao “regime saudita” e do fecho de um jornal egípcio sem que a comunidade internacional se tenha pronunciado, Khashoggi nota que os governos árabes sentem-se à vontade “para continuar a silenciar os media a um ritmo crescente”. O jornalista acrescenta que os governos árabes também bloqueiam a Internet e pressionam os anunciantes para prejudicar determinadas publicações.

Depois, Khashoggi cita o Qatar, país rival da Arábia Saudita no Médio Oriente, como um dos “poucos oásis que continuam a incorporar o espírito da Primavera Árabe”. “O governo do Qatar continua a apoiar a cobertura de assuntos internacionais, em contraste com os esforços dos vizinhos para manter o controlo da informação a fim de manter a “antiga ordem árabe”.

Segundo o jornalista desaparecido, “o mundo árabe enfrenta a versão própria de uma Cortina de Ferro, imposta não por atores externos, mas por forças domésticas que disputam o poder”.

O artigo conclui com a defesa de “uma versão moderna dos antigos media transnacionais para que os cidadãos possam ser informados sobre eventos globais. Mais importante, precisamos garantir uma plataforma para vozes árabes”. O intuito seria combater a pobreza, a má administração e as falhas na educação através de “um fórum internacional independente”, fora do alcance “dos governos nacionalistas que espalham o ódio”.
Trump pede à Turquia vídeos e áudios relacionados
O Presidente dos Estados Unidos revelou ter pedido à Turquia os registos vídeo e áudio relacionados com o desaparecimento do jornalista saudita "caso existam".

Donald Trump, que tem construído uma relação de proximidade com o príncipe herdeiro, de 33 anos, admitiu que a Arábia Saudita é um aliado importante dos americanos, em virtude das compras de armamento do reino aos Estados Unidos.

O Presidente também afirmou estar à espera do relatório completo do secretário de Estado que, no início da semana, se deslocou a Riade, onde esteve com o Rei Salman e com o príncipe herdeiro. Mike Pompeo encontrou-se no dia seguinte, em Ancara, com o Presidente Tayyip Erdogan e com ministro turco dos Negócios Estrangeiros.

O Presidente e o Secretário de Estado dos EUA têm reunião marcada para esta quinta-feira.

Donald Trump garante que os Estados Unidos estão a levar o desaparecimento do jornalista saudita "muito a sério", mas o chefe da administração norte-americana explica que não envolveu a polícia federal na investigação porque Jamal Khashoggi não é um "cidadão americano".

Entretanto, os senadores democratas pediram para que o republicano Donald Trump torne públicas as suas relações financeiras com a Arábia Saudita, preocupados com um alegado "conflito de interesses".

Na rede social Twitter, Donald Trump garantiu que não tinha interesses financeiros na Arábia Saudita, considerando que sugerir essa possibilidade é "uma falsa informação".

O diário The New York Times e a estação televisiva CNN noticiaram, segunda-feira, que a Arábia Saudita planeava reconhecer que o jornalista morreu no consulado, num interrogatório que "correu mal", mas que tentará distanciar dos acontecimentos os dirigentes do reino.

De seguida, Trump especulava que se poderiam de tratar de “assassinos incontrolados".
A Turquia não divulgou as provas vídeo e áudio, que várias fontes dizem existir. A agência Reuters avança que os Estados Unidos recolheram provas de modo próprio que confirma os relatos dos registos áudio que entretanto chegaram às mãos da imprensa.

C/ agências
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