Estado da Nação. Cinco temas para preparar o debate

por Andreia Martins - RTP
Decorre esta quarta-feira no Parlamento, a partir das 14h30, o debate do Estado da Nação Rafael Marchante - Reuters

Palco habitual para o balanço da sessão legislativa que se encerra, o debate sobre o Estado da Nação é o momento em que os partidos políticos e o próprio Governo se digladiam por marcar a agenda e fazer valer a sua retrospetiva dos últimos meses. Com o Executivo de António Costa a procurar destacar os resultados económicos positivos, a oposição e os próprios aliados parlamentares não vão deixar de lado temas incontornáveis como a tragédia de Pedrógão Grande, o furto de armas em Tancos ou as mais recentes demissões de três secretários de Estado na sequência do Galpgate.

Decorre esta quarta-feira no Parlamento, a partir das 14h30, o debate do Estado da Nação. A sessão solene dá por encerrado o período legislativo iniciado em setembro e procura lançar o repto para o ano seguinte.

Ao longo do ano, foram as questões económico-financeiras a marcar a atualidade, desde a aprovação do Orçamento do Estado, a saída do Procedimento por Défices Excessivos (PDE) ou as polémicas que rodearam as administrações e as comissões de inquérito à Caixa Geral de Depósitos. 

Com efeito, é esperado que os acontecimentos das recentes semanas dominem por completo a arena do combate político. Se no ano passado, por esta altura, o tema quente era a eventual aplicação de sanções a Portugal e Espanha pelos défices excessivos, hoje são sobretudo os temas de segurança e defesa que prometem contaminar o debate.

Fazemos aqui o resumo dos pontos quentes que deverão ganhar destaque na discussão e as possíveis críticas arremessadas entre as bancadas parlamentares. Um debate político que promete ser ainda mais feroz com a aproximação das eleições autárquicas, marcadas para 1 de outubro. 
Viagens da Galp. A polémica

Quando no ano passado o país ainda festejava a vitória da seleção no Euro 2016, a polémica Galpgate despertava, assim que foi revelado que três secretários de Estado tinham viajado para França para assistir a jogos da seleção a convite da petrolífera. 

Rocha Andrade, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, enfrentava a situação mais delicada, uma vez que a Galp está em litígio com o Governo por se recusar a pagar uma contribuição extraordinária no valor de 240 milhões de euros.

A polémica esmoreceu quando os secretários de Estado anunciaram que iriam devolver o dinheiro respetivo às viagens. Meses depois, o Governo anunciou em setembro um novo código de conduta para os membros do executivo, que regula, entre outros aspetos, a aceitação de prendas pelos governantes.

Mas um ano depois, a polémica voltou. No último domingo, Fernando Rocha Andrade, João Vasconcelos, Jorge Costa Oliveira, os três secretários de Estado que usufruíram das viagens da Galp, pediram a exoneração de funções, sublinhando que não querem prejudicar a atuação do Governo. 

No comunicado conjunto, explicam que pediram ao Ministério Público a sua constituição como arguidos, ao que a Procuradoria-Geral da República respondeu no dia seguinte com uma nota em que garante investigar os três ex-governantes pela prática de “crimes de recebimento indevido de vantagem”.

Os partidos de oposição deverão destacar a informação entretanto confirmada pela PGR, em que se informa que os três ex-secretários de Estado envolvidos no processo foram afinal constituídos arguidos dias antes do pedido de exoneração.

Até agora, apenas sublinharam que estas demissões chegam “com um ano de atraso”, como salientou Nuno Magalhães, líder parlamentar do CDS-PP.

Existe ainda a questão do impacto que estas exonerações poderão ter na elaboração do Orçamento do Estado para 2018. Com os três secretários ainda sem substituto, o Governo vê-se a escassos meses da apresentação do documento sem o seu responsável pelos Assuntos Fiscais. Na terça-feira, o secretário de Estado das Finanças garantia que o ex-colega deixara com o Governo uma “máquina” capaz de preparar o Orçamento. 
Responsabilidades em Pedrógão Grande

Os pedidos de demissão dos secretários de Estado surgem de forma inesperada e acontecem numa altura de grande instabilidade governativa na sequência da tragédia de Pedrógão Grande e do roubo de material de guerra em Tancos. “O momento mais difícil”, como admitia recentemente o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos. 

A verdade é que a oposição vinha a exigir o pedido de demissão de dois governantes que têm estado na mira de todas as críticas ao longo das últimas semanas: a ministra da Administração Urbana, Constança Urbano de Sousa, e o ministro da Defesa Nacional, José Azeredo Lopes. 

Em Pedrógão Grande, as dimensões inéditas do incêndio e a tragédia humana e material que dele resultou, ajudam a explicar a rutura total com um certo “estado de graça” em que se sustentava o Governo, a quem foram pedidas explicações sobre as circunstâncias do que acontecera. Como foi possível?

Os números, as imagens, as histórias daquele dia fatídico de junho vão continuar a marcar a atualidade por muitos meses, certamente este debate. No incêndio morreram 64 pessoas. Mais de 200 ficaram feridas. 

O incêndio devastou mais de 43 mil hectares de floresta e povoações, dilacerando os concelhos de Castanheira de Pêra, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande. Pelo menos 500 habitações foram afetadas e meia centena de empresas foram afetadas, colocando em causa, por extensão, os empregos de 372 pessoas. “A maior tragédia de vidas humanas de que temos conhecimento”, admitia António Costa poucas horas depois de ter sido conhecido um dos primeiros balanços de vítimas mortais. 

Findo o período de luto e de comoção nacional, os partidos passaram à ação. Sobretudo porque muitas dúvidas e incertezas continuam por clarificar, praticamente um mês depois da tragédia. Logo na semana do incêndio, o primeiro-ministro exigiu a resposta a várias perguntas centrais para apurar o que aconteceu, mas o que tem sucedido até ao momento é a troca de acusações e ausência de responsáveis. 

No centro de todas as polémicas esteve o SIRESP, o Sistema de Comunicações Móveis de Emergência e Segurança, que nasceu fruto de uma parceria público-privada, atravessou vários Governos do bloco central e que registou problemas de comunicação na zona de Pedrógão Grande na altura do incêndio. O contrato assinado em 2006 retira à empresa que o gere quaisquer responsabilidades em caso de falhas durante uma catástrofe ou calamidade. 

Auditorias, inquéritos, estudos vão prosseguir durante os próximos meses para o “apuramento cabal” de todas as circunstâncias que marcaram o incêndio, tal como foi requerido pelo primeiro-ministro.

Sabe-se já que a GNR não recebeu ordem para encerrar a Estrada Nacional 236-1, onde morreram 47 pessoas, por ausência de informações que alertassem para uma “situação de risco”. 

Nas últimas semanas surgiu ainda a questão das cativações, que correspondem ao congelamento de verbas em diferentes ministérios e que só podem ser desbloqueadas por ordem do ministro das Finanças. Este valor atingiu números recorde em 2015, chegando quase aos mil milhões de euros, o número mais elevado dos últimos 13 anos, segundo a Direção-Geral do Orçamento. A ministra da Administração Interna garantia na semana passada que o projeto SIRESP não teve “qualquer limitação fruto das cativações orçamentais”, em resposta às críticas do líder social-democrata. 

De notar ainda os constantes pedidos de demissão da ministra, sobretudo do CDS-PP. Constança Urbano de Sousa garante que em nenhum momento ponderou demitir-se do cargo e que a saída de cena seria uma fuga às responsabilidades que detém enquanto ministra da Administração Interna. António Costa, que já ocupou este cargo num Governo anterior, reafirmou ainda recentemente a “confiança política” intocável na governante. Tancos e as exonerações
Ainda o país recuperava do choque após os grandes incêndios no Pinhal Interior quando, a 29 de junho, o Exército anunciava que tinha sido alvo de furto de armamento nos Paióis de Tancos, em Santarém. Granadas de mão e anticarro, explosivos, entre outros materiais de guerra, encontram-se desde então em parte incerta. 

Na sequência deste caso, também o ministro da Defesa está sob fogo da oposição, ainda mais porque assumiu desde logo “responsabilidades políticas”, apesar de não ter pedido a demissão. O CDS-PP apelou mesmo à saída do titular da pasta. Quem também está a ser alvo de críticas, sobretudo ao nível interno das estruturas militares, é o próprio Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), Rovisco Duarte, que descartou culpas nos mais altos postos do Exército e optou por exonerar cinco chefias militares. Depois disso, vários militares e comandantes pediram demissão em protesto. 

Se o incêndio em Pedrógão Grande coloca em causa o dispositivo de segurança e a capacidade de resposta do Governo em situações limite, o furto em Tancos traz para a discussão pública o estado das Forças Armadas e o investimento – ou a falta de investimento – em questões do foro da Defesa Nacional, bem como a vulnerabilidade exposta em infraestruturas críticas do Estado. O CEME acredita que um roubo desta natureza e dimensão só foi possível com o conhecimento do mapa de armazenamento e admite a possibilidade de fuga de informação dentro da instituição militar. 

Continuam a decorrer as averiguações internas e o próprio ministro ordenou uma inspeção extraordinária às condições de segurança dos vários paióis onde é armazenado o armamento militar.

Outra questão que mereceu um clamor de críticas entre Governo e oposição foi a ausência de um sistema de vigilância no paiol roubado nos últimos dois anos, ao que se seguiu a promessa de que um sistema novo de controlo seria instalado já no próximo ano.

Certo é que o material continua em paradeiro desconhecido. O receio de que este possa encontrar as mãos erradas já levou Portugal a avisar países aliados em instituições multilaterais, nomeadamente a NATO e a União Europeia. Marcelo Rebelo de Sousa, que além de Presidente da República ocupa igualmente o cargo de Comandante Supremo das Forças Armadas, pediu que sejam apuradas “todas as responsabilidades”, do mais baixo ao mais alto posto do Exército. 
O segundo ano da “Geringonça”

É com estes temas quentes como pano de fundo que decorre o segundo debate do Estado Nação do Governo socialista sustentado pela maioria parlamentar de esquerda. O acordo histórico alcançado após as eleições legislativas de 2015 continua a ser decisivo para a atuação do Executivo. 

Ao lado do Governo em assuntos determinantes como na aprovação do Orçamento do Estado ou no bloqueio da oposição, Bloco de Esquerda, PCP e Os Verdes vão tentando também marcar a agenda política e económica, com as medidas que agradam aos respetivos eleitorados. Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente da República, omnipresente, não deixou de estar ao lado do Governo e apoiar António Costa nos momentos mais difíceis.

Apesar da posição crítica perante o Governo, o espectro do anterior executivo de PSD e CDS-PP continua a ser o principal alvo de críticas por parte da esquerda parlamentar. Mantém-se a cola que uniu a “Geringonça” e que protagonizou o volte-face após as eleições legislativas de 2015. 

No entanto, nem todas as exigências são descartáveis, e basta ao Executivo lembrar o que aconteceu no final do ano passado, altura em que ficou sem o apoio do Bloco de Esquerda e refém do voto dos social-democratas para aprovar a descida da Taxa Social Única (TSU).

Quando os deputados ainda preparam o debate do Estado da Nação, as negociações para o Orçamento do Estado para 2018 já decorrem nos bastidores. Entre as principais exigências da esquerda estão a reposição de rendimentos, o reforço das pensões depois do aumento de dez euros, previsto para agosto, a redefinição dos escalões do IRS, o acesso a reformas antecipadas nos casos de carreiras contributivas mais longas, o combate ao trabalho precário, tanto no setor público como no setor privado, e ainda uma eventual subida no Salário Mínimo Nacional. 
Europa, banca e economia

As prioridades da esquerda apontam também para a rutura com os “constrangimentos europeus”, ou seja, com as limitações provenientes de Bruxelas a nível económico e financeiro, dando prioridade ao investimento em setores como a Educação ou a Saúde, onde os profissionais continuam a reivindicar melhores condições de trabalho. 

No entanto, este será o primeiro ano desde 2009 em que o Parlamento irá debater o Estado da Nação sem estar sob o Procedimento por Défice Excessivo (PDE), uma saída oficializada em junho deste ano. Basta relembrar que, no ano passado, um dos temas fortes da discussão foi precisamente a eventual aplicação de sanções a Lisboa e a Madrid, uma penalização por terem falhado as metas do défice impostas pela Comissão Europeia.

Reportagem do Telejornal de 7 de julho de 2016

O "diabo" não chegou, como previra Pedro Passos Coelho. Mas nem o clima mais favorável em termos económicos e financeiros não livrou o Governo de alguns momentos de tensão, que serão certamente trazidos a debate pelos partidos da oposição. Até porque o elencar de conquistas alcançadas pelo Governo não chegou para que as agências de rating alterassem a sua posição - apenas modificaram a perspetiva face a Portugal -  mantendo o país ao nível de lixo, fator que encarece os custos do financiamento do Estado e das empresas portuguesas.

Na banca, a resolução do Novo Banco e venda à Lone Star, contra a vontade da esquerda parlamentar, também dominou muitos debates quinzenais. Mais marcante ainda foi a questão da Caixa Geral de Depósitos, que transitou da anterior sessão legislativa. As duas comissões de inquérito, primeiro a que analisou o percurso do banco público até à capitalização e depois à substituição da administração de António Domingues, ficaram marcadas pela polémica em torno dos e-mails e sms trocadas entre o ministro das Finanças e o antecessor de Paulo Macedo à frente da CGD. 

Caberá ao Governo desviar as críticas e hastear com regozijo a bandeira da taxa de desemprego abaixo dos dez por cento, a mais baixa em sete anos, a subida das exportações e do investimento, bem como do “menor défice da história da democracia portuguesa”, trazendo as conquistas do último ano para primeiro plano. Nada que não esteja ao alcance do "Ronaldo" do Ecofin, como lhe chamou Wolfgang Schäuble, ministro alemão das Finanças.

Com um défice orçamental de 2,1 por cento em 2016 - em 2015, o défice orçamental era de 3,2 por cento, 4,4 por cento incluindo a resolução do Banif -, o ministro das Finanças Mário Centeno conseguiu surpreender as organizações nacionais e internacionais, incluindo a própria Comissão Europeia ou o Conselho de Finanças Públicas, menos otimistas do que o Governo, e que desacreditavam a possibilidade de uma descida do défice tão acentuada. 

Para o PSD e o CDS, não houve milagres, mas antes uma conquista governativa à boleia de medidas que não estavam previstas no programa do Partido Socialista. “Austeridade manhosa porque não assumida” pelo Executivo, considerou o líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, em declarações à agência Lusa. 

Já o líder parlamentar do CDS-PP, Nuno Magalhães, relembrou os “truques” orçamentais a que o Governo recorreu a fim de respeitar as normas de Bruxelas, ao mesmo tempo que cumpria as exigências dos parceiros partidários.

O caso das cativações, recentemente vindo a público, será assunto incontornável no debate desta quarta-feira, não só pelo potencial impacto que tiveram em casos como a tragédia de Pedrógão ou o furto de Tancos, mas também como acusação de “falta de transparência” por parte do Governo de António Costa.
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