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Inflação abranda nos EUA. Impacto poderá beneficiar politicamente Kamala Harris

por Graça Andrade Ramos - RTP
Preços de bens de consumo numa cadeia de mercados dos EUA Mario Anzuoni - Reuters

Depois do BCE, a Reserva Federal dos Estados Unidos, a FED, deverá seguir o mesmo caminho, com o anúncio, na próxima quarta-feira, de um corte de 25 pontos base nas taxas de juro a ser dado como garantido.

A luz verde para a decisão terá sido dada pela confirmação de que, em agosto, a inflação no país registou o seu nível mais baixo em três anos e meio, de acordo com um relatório do Departamento do Emprego norte-americano, publicado ontem. Apesar dos preços ao consumidor estarem 2,5 por cento acima do mesmo período em 2023, esse aumento foi o menor registado anualmente desde 2021, implicando um abrandamento.


Uma aparente vitória para a Administração Biden, que poderá refletir-se favoravelmente na candidatura presidencial da ainda vice-presidente, Kamala Harris, caso a perceção da opinião pública sobre o desempenho económico mude.

A inflação galopante tem sido um dos principais argumentos da campanha, sobretudo para o ex-presidente, Donald Trump, rival de Harris na Corrida à Casa Branca, pelo Partido Republicano.

Trump tem utilizado as dificuldades económicas sentidas por milhões de pessoas para denegrir a estratégia democrata dos últimos anos e fazer brilhar o seu próprio sucesso na Economia durante a sua presidência.

As críticas ficaram patentes terça-feira, no primeiro e até agora único debate entre os dois candidatos.

"Temos uma inflação como muito poucas pessoas alguma vez viram", atacou o republicano, sem se alongar na sua própria estratégia futura.

"Provavelmente a pior na história da nossa nação", acrescentou, exagerando o ritmo do aumento dos preços, cujo cume, de 9,1 por cento, foi atingido em 2022.
Um problema de percepção
"Isto tem sido um desastre para as pessoas, para a classe média, mas para todas as classes", sublinhou ainda Trump.

Esta permanece a perceção da maioria dos eleitores, apesar da progressão dos preços ser atualmente a mais lenta desde o segundo mês do mandato do presidente Joe Biden.

O abrandamento demora a refletir-se na carteira e milhões de pessoas permanecem frustradas com a alta cumulativa do custo de vida dos últimos três anos.

A descida dos preços também não é uniforme.

Os custos com a habitação, o maior impulsionador inflacionário no ano passado, agravaram-se em 5,2 por cento. Mas os preços da gasolina caíram mais de 10 por cento.

O preço geral dos bens de consumo caiu quase dois por centro no último ano, devido à diminuição acentuada dos preços de carros e camiões usados. Contudo, uma ida ao cabeleireiro ou à oficina continua a encarecer.

No supermercado, os preços estabilizaram, tendo aumentado menos de um por cento no último ano, em contraste com as subidas em flecha de 2022 e 2023. Entre julho e agosto não se alteraram. Mas não têm estado a cair. Dado que as pessoas fazem compras destas todas as semanas, é uma lembrança constante de que os ovos e o leite estão mais caros.

Chris Waller, diretor da FED, percebe as dificuldades. "Eu também vou às compras. Olho para alguns preços e digo nem por sombras compro isto", admitiu na semana passada numa conferência.

Waller acredita contudo que os preços não vão regressar aos níveis de 2019 ou de 2020. Pensa que o aumento dos salários irá gradualmente engolir a diferença resgistada e que está atualmente a abrandar.

De acordo com o Departamento do Emprego, os preços nos supermercados subiram 25,5 por cento desde o início da pandemia de Covid-19, ao passo que os salários foram aumentados em 23,5 por cento.

Muitos analistas acreditam que o abrandamento se deve precisamente a uma resistência ao consumo que tem vindo a crescer.

Nos últimos três anos, explicam, os norte-americanos conseguiram sustentar-se e à economia sobretudo graças às poupanças acumuladas durante o período da pandemia. Estas entretanto desapareceram, levando os consumidores a retrair-se.

Em reação, as empresas estão a baixar os preços ou, pelo menos, a não os agravarem tanto como seria espectável ou não colocando bens à venda.
Além da inflação
O corte previsto nas atuais taxas de juro, as mais elevadas em mais de duas décadas, visa ajudar as empresas a relançarem-se, refletindo o abrandamento da inflação, apesar desta ainda estar acima do objetivo da FED, de 2,0 por cento. Chegou o momento de evitar o desacelerar da economia e o consequente desemprego.


"Os riscos causados pela inflação diminuíram mas os associados ao desemprego aumentaram", afirmou o presidente do FED, Jerome Powell, o mês passado. "É tempo de uma política de ajustamento".

Os receios de recessão devido ao abrandamento do mercado de trabalho são reais. A taxa de propostas de emprego caiu em julho para 4,6 por cento, a mais baixa desde dezembro de 2020, vinda de 4,8 por cento em junho.

Economistas contactados pela agência Reuters antecipavam a abertura de 8.100 milhões de vagas em 2024, face aos 12.182 milhões de ofertas existentes em março de 2022. No espaço de um ano desapareceram cerca de 1,1 milhões de ofertas de emprego, sobretudo nas pequenas empresas.

"A maioria dos americanos que procuram empregos, encontram-nos, mas há menos oportunidades ou alternativas para os trabalhadores despedidos ou interessados em mudar", explicou Bill Adams, diretor comercial no Banco Cimerica à Reuters.

Assim, em julho, o indicador da proporção de empregos disponíveis por desempregados foi de somente 1.07 vagas para cada pessoa sem trabalho. O menor desde maio 2021 e abaixo da oferta de 1.16 de junho. O ponto mais alto deste diferencial foi atingido em 2022, quando foi ligeiramente superior a 2.0.

Noutro ângulo de análise, as contratações aumentaram em 273 mil, para 5.521 milhões, sobretudo no setor da hotelaria e serviços, com a respetiva taxas a aumentar para 3,5 de 3,3 por cento em junho. 

Houve contudo 202 mil despedimentos, para 1.762 milhões, o número mais alto desde março de 2023. 

A taxa de despedimento mantém-se contudo historicamente baixa, rondando 1.0 por cento em junho e 1,1 por cento em julho.

Os analistas consideram por isso que o mercado laboral tem vindo a arrefecer mas sem dar mostras de recessão
. Os dados de desemprego relativos a agosto vão ser publicados esta sexta-feira e são aguardados com expectativa.
E a China?
Outros indicadores além da inflação e do mercado laboral entram para a análise, incluindo a subida dos custos dos serviços.

Por exemplo, apesar da tendência de arrefecimento da inflação se manter consistente, em agosto os preços no produtor foram ligeiramente superiores ao esperado, tendo subido 0,2 por cento.

Face ao período homólogo de 2023, o PPI, index do preços de produção, foi superior em 1,7 por cento nos EUA. Em julho, havia sido 2,1 por cento.

O desequilíbro da balança comercial é outro indicador a seguir.

As exportações norte-americanas registaram um aumento escasso, de 0,5 por cento, correspondente a 266.6 mil milhões de dólares. 

Já as importações subiram 2,1 por cento para 345.4 mil milhões de dólares, sobretudo em bens de consumo, que atingiram os 278.2 mil milhões de dólares, o valor mais elevado desde junho de 2022.

A maior beneficiada tem sido a China, a maior prejudicada a indústria norte-americana, com o Produto Interno Bruto a sofrer o impacto por dois trimestres consecutivos.

A Administração Biden pretende impor impostos mais altos a produtos chineses, como veículos elétricos, baterias produtos solares e outros bens. Também Donald Trump, se for eleito, deverá seguir a mesma cartilha, que ele próprio impôs aliás enquanto presidente.
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