A equipa que filmou a revolução portuguesa para a televisão da RDA
A equipa que realizou para a televisão da Alemanha de Leste a reportagem de maior fôlego sobre a Revolução dos Cravos tem uma história própria. Ela tinha-se imposto no panorama audivisual da RDA por um estilo heterodoxo e nem sempre bem acolhido pelos poderes estabelecidos.
O Grupo Katins rodou filmes em África, na Namíbia, na África do Sul. Um deles foi uma vez projectado no Comité de Descolonização da ONU e ocasionou um incidente com um representante da RFA, que se retirou ao saber que se tratava de um filme da RDA.
A composição do grupo era, também ela, peculiar. Ao contrário de outras equipas de reportagem da televisão leste-alemã, o Grupo Katins contava entre os seus efectivos vários técnicos de países ocidentais, geralmente ligados aos respectivos partidos comunistas. Tilo Prase recenseou oito correspondentes da televisão leste-alemã DFF na Alemanha Federal em 1961 (p. 168), e em data algo posterior correspondentes de firmas fictícias ao serviço da mesma DFF distribuídos em vários países europeus: quatro na Grã-Bretanha, cinco na Alemanha Federal, uma na Dinamarca e dois outros com localizações não especificadas (p. 177)
Um dos membros ocidentais da equipa, o operador de câmara John Green, recorda que se formou na RDA e depois, com dificuldades para obter emprego em Londres devido a esse curriculum politicamente marcado, propôs à televisão da RDA trabalhar para ela como correspondente. Foi aceite e começou por aí, antes de existir o Grupo Katins.
O mais destacado membro ocidental da equipa, Franz Dötterl (na foto), era um militante comunista bávaro, de quem se contava que durante a guerra, como jovem soldado da Wehrmacht, se recusara a matar dois prisioneiros franceses. Por esse motivo, teria sido condenado à morte, apenas escapando graças a circunstâncias fortuitas.
Dötterl começara em 1958 a trabalhar como operador de câmara para a televisão leste-alemã, mas em breve se tornaria o responsável pela rede de correspondentes ocidentais e pela aquisição de diverso material técnico para a televisão da RDA. A coberto de firmas fictícias como a "Nordreporter" sediada em Estocolmo, e com precauções conspirativas, ele furava o embargo ocidental às exportações de tecnologia avançada, como pode confirmar-se na documentação da Stasi a que a RTP teve acesso.
Dötterl esforçou-se por promover com Katins um estilo diferente na realização dos documentários no estrangeiro. Tratava-se para ambos de mostrar o que se passava, com uma presença enraizada nos locais de filmagem, e não simplesmente de falar sobre as situações que eram objecto da reportagem.
Numa televisão rotineira, marcada pela langue de bois da propaganda e pródiga em chavões doutrinários, as reportagens do Grupo Katins distinguiam-se por darem voz a pessoas de carne e osso. A narração praticamente só servia para situá-las e identificá-las. As convicções políticas assumidas pela equipa não eram geralmente impostas ao público, antes lhe eram sugeridas pela escolha dos temas e pelo encadeamento de depoimentos.
Matthias Steinle, especialista de História do cinema que voltou ao tema dois anos depois, emitiu um juízo semelhante: para Katins, diz ele, "a realidade tem de apresentar-se como é encontrada e não como devia ser – o que, ao mesmo tempo, constituía uma dura crítica à praxis do jornalismo televisivo da RDA de até então".
A mimetização com um certo estilo ocidental não era fabricada por Katins a partir do nada, antes correspondia a uma necessidade profunda da propaganda do SED (o partido no poder) e a uma oportunidade política. Ao partido não passava despercebida a impopularidade de uma propaganda demasiado recheada de chavões, mas pobre na forma e no conteúdo.
Procuravam-se soluções que tornassem a televisão leste-alemã mais atraente para o público. Já antes do Grupo Katins, a dupla Heynowski & Scheumann enveredara pela via de reportagens mais factuais e com menos comentário explícito.
Com o render da guarda na liderança do SED – Walter Ulbricht substituído por Erich Honecker, em junho de 1971 -, os primeiros tempos foram de expectativa numa maior abertura da política cultural. O Grupo Katins foi dotado de meios financeiros invulgarmente generosos e de grande autonomia relativamente à estrutura da televisão da RDA.
Em parte a autonomia era explicada pelos imperativos de filmagens clandestinas em países como Namíbia, África do Sul, Israel, Turquia ou mesmo na Alemanha Federal.
As más vontades e desconfianças que esse estatuto especial suscitava eram, na fase inicial, neutralizadas pela protecção ao mais alto nível de que o grupo gozava: as suas decisões obtinham alguma cobertura de Werner Lamberz (na foto, à esquerda), o mais alto responsável partidário pela agitação e propaganda e também, para alguns, um potencial sucessor de Honecker (na foto, à direita).