Especial TTIP - O Tratado de todas as dúvidas

por RTP |

Paulo Alexandre Amaral (texto), Sara Piteira (Grafismo), Nuno Patrício (Imagem), Pedro A. Pina (Edição), Fotografias Reuters

O texto é ambicioso e traduz um quadro de trocas comerciais e de serviços entre os dois lados do Atlântico desenhado para perdurar por décadas. Uma estrada de sentido único, sem atalhos. Sem escapatória.

O esquema montado por burocratas europeus sentados à mesa com tubarões da indústria norte-americana reveste-se de detalhes draconianos que contemplam em si próprios um colete-de-forças legal, com vista a manter as partes obrigadas a um texto definitivo.

Mais do que um conjunto de regras que abarcam toda a atividade comercial e financeira envolvida nas trocas entre os dois blocos, são linhas com força de lei que vão condicionar a vida dos cidadãos a todos os níveis da existência: desde a provisão de necessidades básicas até à organização da estrutura laboral, desde a produção e transação ao quotidiano da vida dos cidadãos. Neste sentido são afetadas pelas linhas do tratado a segurança alimentar, preservação do ambiente, evolução legislativa, cooperação política, organização social, evolução científica, cuidados de saúde e acesso à educação.

Nesta reescrita das relações económicas entre União Europeia e Estados Unidos temos ao comando as grandes multinacionais, sentadas à mesa com políticos eleitos pelo voto do cidadão. Sob a capa da liberalização de um terço do comércio mundial, estas gigantescas multinacionais começam por derrubar barreiras alfandegárias. Mas estas taxas são já de si quase inexistentes entre os dois blocos, pelo que é outro o objetivo. Pelo caminho do que se apresenta como um acordo comercial, o ataque é feito às barreiras impostas pela legislação comunitária, onde pontificam regras de segurança alimentar e proteção ambiental que restringem a produção e o comércio selvagem.

Em causa estão o ambiente, a saúde, os padrões de produção e comercialização de produtos. De caminho – a abertura da porta para que qualquer empresa venha a desafiar decisões políticas que coloquem em risco as suas estimativas de lucro.

Quatro anos de secretismo

Trata-se, mais do que um novo conjunto de regras de comércio livre, de um programa de vida social que ameaça o modelo europeu face às exigências do primado económico que os Estados Unidos conseguiram já impor no Tratado TransPacífico (TTP) e forçam agora ao Velho Continente.

As linhas do TTIP foram mantidas secretas até ao início deste mês de maio, durante quatro anos, à semelhança do que já ocorrera com o TTP, que foi negociado entre os norte-americanos e outros 11 países nas margens do Pacífico, à porta fechada e sem leaks, durante quase uma década.

A 2 de maio, após muita especulação, um dos membros das equipas de negociadores fez chegar às mãos da Greenpeace Holanda 13 dos 17 capítulos do tratado, muitos deles já numa forma muito aproximada do que será o texto definitivo.

Ao contrário do que vem acontecendo com o carácter surpreendente de recentes fugas (WikiLeaks, LuxLeaks ou as revelações de Edward Snowden), muito do que é agora concretizado era há muito alvo de especulação. O que os TTIP Leaks permitiram foi uma confirmação dos receios levantados pelo tratado, com o seu traçado leonino a pôr em causa o próprio edifício da democracia europeia.

Um texto que, mais do que deixar de ser impermeável aos interesses financeiros sobre os interesses dos cidadãos, abre em definitivo a porta a uma governação que escapa aos moldes do escrutínio e da eleição.