Morreu David Lynch. Realizador de "Twin Peaks" tinha 78 anos

por Joana Raposo Santos - RTP
Lynch recebeu um Óscar honorário em 2019 pelos seus feitos ao longo da vida. Foto: Primo Barol - Anadolu Agency via AFP

David Lynch, co-criador da inovadora série televisiva "Twin Peaks", morreu aos 78 anos, informou a sua família esta quinta-feira. O cineasta, escritor e artista norte-americano foi nomeado para o Óscar de melhor realizador por "Veludo Azul", "O Homem Elefante" e "Mulholland Drive".

"É com profundo pesar que nós, a sua família, anunciamos o falecimento do homem e do artista, David Lynch", lê-se numa declaração da família na página de Facebook do artista.

"Há um grande buraco no mundo agora que ele já não está entre nós. Mas, como ele diria: 'Mantém os olhos no donut e não no buraco'. Está um dia lindo, com sol dourado e céu azul até ao fim".



O realizador nasceu a 20 de janeiro de 1946 no Estado de Montana, nos Estados Unidos. De acordo com a revista Variety, Lynch revelou no ano passado que lhe tinha sido diagnosticado um enfisema após uma vida inteira de tabagismo, o que o impediria de continuar a sair de casa para realizar filmes.

Autor de obras consideradas visualmente deslumbrantes, perturbadoras e inescrutáveis, repletas de sequências de sonhos e imagens bizarras, Lynch é visto como um mestre do surrealismo e um dos cineastas mais inovadores da sua geração.
Lynch recebeu um Óscar honorário em 2019 pelos seus feitos ao longo da vida. O Festival de Veneza deu-lhe o Leão de Ouro de carreira em 2006.

O enigmático artista preferiu não explicar os seus complexos e desconcertantes filmes, que incluíam " Um coração selvagem" – vencedor da Palma de Ouro de 1990 no Festival de Cannes -, o filme de terror de 1977 "Eraserhead" e o mistério de 1997 "Lost Highway".

"Um filme ou uma pintura, cada coisa é o seu próprio tipo de linguagem e não é correto tentar dizer a mesma coisa em palavras. As palavras não estão lá", explicou ao jornal The Guardian numa entrevista em 2018.

O seu estilo de cinema deu origem ao termo “Lynchian”, que a revista Vanity Fair descreveu como estranho, arrepiante e lento. Nos seus filmes, Lynch inseriu o macabro e o perturbador dentro do comum e mundano e aumentou o impacto com música.

Lynch dizia não se interessar apenas pela história, mas também pelo clima do filme, definido pelos elementos visuais e sonoros trabalhados em conjunto.

"O seu olho para o pormenor absurdo (…) e o seu gosto por material arriscado, muitas vezes grotesco, fizeram dele, talvez, o excêntrico mais venerado de Hollywood, uma espécie de Norman Rockwell psicopata", referiu o jornal New York Times em 1990.
Nomeado para oito Óscares em 1981
Nascido em Missoula, Montana, era o mais velho de três irmãos. O seu pai trabalhava para o Departamento de Agricultura dos EUA e a família mudava frequentemente de cidade. Lynch chegou a descrever a sua infância como um "mundo muito bonito e perfeito".

Enquanto estudante de arte na Academia de Belas Artes da Pensilvânia, na década de 1960, viveu numa zona de Filadélfia degradada e dominada pelo crime com a mulher e a filha. Mais tarde, descreveu a cidade como a maior influência da sua vida.

A experiência inspirou "Eraserhead", o seu filme de estreia, que se tornou um êxito de culto. Depois de ver o filme, Brooks, o produtor de "O Homem Elefante", contratou Lynch para o realizar.

"O Homem Elefante", sobre um homem gravemente deformado na Londres vitoriana, foi nomeado para oito Óscares da Academia em 1981. Embora não tenha conseguido ganhar um Óscar, lançou Lynch para a ribalta.

Dois anos mais tarde, o realizador voltou ao topo com "Veludo Azul", que se debruçava sobre o misterioso submundo de uma pequena cidade da Carolina do Norte. Alguns críticos consideraram-no a sua obra-prima e o melhor filme da década.

Mário Augusto considerou que a morte do realizador é uma "notícia triste para o cinema" e lembrou os filmes que "nos põem a pensar de uma forma muito inquietante".
O salto para o pequeno ecrã
David Lynch experimentou o formato televisivo em 1990, quando criou a série policial de mistério "Twin Peaks" com Mark Frost para a ABC. A série, vencedora de um Emmy, tornou-se um fenómeno cultural.

Já "Mulholland Drive", de 2001, começou como série televisiva mas foi abandonada pela estação e acabou por chegar ao grande ecrã. Numa sondagem da BBC de 2016, foi considerado o melhor filme do século XXI até à data.

Nos seus últimos anos, Lynch dedicou-se à realização de documentários, curtas-metragens, pintura e um canal no YouTube. Lançou álbuns, vídeos musicais, bandas sonoras e livros, incluindo o seu livro de memórias de 2018 "Room to Dream".

O aclamado realizador foi casado quatro vezes e teve quatro filhos.

"Adoro o que faço e posso trabalhar nas coisas em que quero trabalhar. Gostaria que todos tivessem essa oportunidade", disse ele ao site Vulture numa entrevista em 2018.

c/ agências
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